ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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CANTO ABAFADO ENTRE PAREDES
SOBRE A POESIA DE AUGUSTO DE CAMPOS

por André Dick

1

Seja qual for o gênero a que se dedique, a obra de um autor costuma atravessar fases. Voltando à obra de um Drummond, de um Murilo e de um João Cabral, para citarmos três dos maiores poetas brasileiros do século XX, percebemos que o experimentalismo deles se deu sempre guiado pela idéia de uma contínua "tradição da ruptura", que é a própria tradição da modernidade - para utilizarmos aqui a idéia, paradoxal por escolha, de Octavio Paz [1] -, pois experimentaram diversas formas. A mudança não representa exatamente a busca do novo pelo novo, mas, a cada passo, a reavaliação das linhas alcançadas, até atingir a questão da modernidade crítica consciente. Tomemos o Drummond de A rosa do povo e de Claro enigma, ou o João Cabral de O engenheiro e de A educação da pedra. São diferentes. O Murilo Mendes de Convergência mais ainda, em relação à sua obra anterior, principalmente em sua elaboração estrutural. Embora mantivessem o mesmo nível, procuravam a diferença em cada um de seus livros. Suas obras, vistas amplamente, e não em detalhes temáticos, buscavam a constante ruptura, não a inconsciência juvenil de uma vanguarda, mas sempre mantendo-se no espaço crítico da modernidade, sendo, por isso, poetas modernos.

Haroldo de Campos, em depoimento sobre Mário Faustino, escreve que este, ao contrário de seus companheiros, não queria o "processo de coletivização" em torno de um projeto, que reduzisse "diferenças individuais".[2] Para Haroldo, no entanto, era necessária, para uma verdadeira mudança, uma visão radical da poesia, trazida por ele e seus companheiros de poesia concreta Augusto e Décio Pignatari, "uma nova linguagem comum sintético-ideogrâmica, de validade nacional e universal, capaz de ultimar (no sentido evolutivo-processual, bem entendido, não do axiológico) o projeto mallarmaico delineado no Coup de dés (onde a sintaxe é fraturada e o verso disseminado, mas onde o discurso ainda persiste espacejadamente...), projeto que remonta aos 'poema universal progressivo' dos Românticos de Iena e, assim, à própria 'tradição da modernidade'".[3] É imprenscindível compreender que Haroldo baseia-se na idéia de Octavio Paz. A tradição da modernidade prima pela ruptura: o romantismo se insere nela por ter procurado um novo caminho, em oposição ao que o antecedia. Assim, como observa Haroldo no mesmo depoimento, os concretos e Faustino se assemelhavam ao serem, além de experimentais, 'tradicionalistas', no sentido que este termo possui na obra de Paz. Note-se que em nenhum momento Haroldo trabalha com a palavra "vanguarda", e sim com o termo "experimental". No ensaio sobre a poesia 'pós-utópica',[4] Haroldo, sob certo ponto de vista, está trabalhando em cima do mesmo leque de referências de Paz. O pós-utopismo de Haroldo é o fim da ruptura, representado pela vanguarda, segundo Paz, tornando-se, por recuperar conceitos já vislumbrados, numa "tradição da modernidade", baseada no experimentalismo e não na superação. Essa suspensão da vanguarda, ao representar o fim da "tradição da ruptura", abrange uma tradição moderna, o que não signifique que poetas como Murilo Mendes e Carlos Drummond, pertencentes a ela, não tenham, ao longo de sua trajetórias, deixado rastros para adquirir, somar a esses, outros rumos.

Alguns poetas parecem não ter atravessado fases, pelo menos sob a ótica de determinados leitores e críticos, o que parece ser o caso de Augusto de Campos. Depois de criar com Haroldo de Campos e Décio Pignatari a poesia concreta na década de 1950, ele recebeu a denominação de poeta concreto e a carrega até hoje, dando a impressão de que sua radicalidade encobriria uma estagnação, idéia mais contrária possível à "tradição da ruptura" moderna na qual se insere. Veja-se que o crítico literário francês Antoine Compagnon distingue dois tipos de vanguarda: uma que quer utilizar a arte para mudar o mundo e a outra quer mudar a arte, querendo que o mundo a acompanhe.[5] Não parece que Augusto pertença a algum desses tipos de vanguarda. A pretensão de mudar o mundo, sob qualquer um desses pontos de vista, é própria do Romantismo, do Simbolismo, do Futurismo, do Dadaísmo etc., que constituem, segundo Paz, a "tradição da ruptura", vanguardas em períodos diferentes (ainda que, por exemplo, o Romantismo não seja considerado uma vanguarda, pois esse termo militar se encaixou nos movimentos do início do século XX). Augusto, ao escrever seu poema "pós-tudo", que nos serve de exemplo, converte um sentimento de poder, o falar para si ("mudei tudo"), em negatividade moderna e auto-irônica ("agora extudo / mudo"), crítica e corrosiva. O moderno tem a consciência de que provoca uma ruptura dentro da tradição, mas não traz o "ocaso da vanguarda", que se dobra sobre si mesma.

Se relermos VIVA VAIA - Poesia 1949-1979 (2001, Ateliê Editorial), Despoesia (1994, Perspectiva) e NÃO (2003, Perspectiva), teremos a certeza de que Augusto, apesar de nunca ter abandonado certos caminhos, sobretudo no campo temático, estético etc., não seguiu uma trajetória linear. Mesmo assim, apesar de ter arriscado ("poesia é risco") diversos passos nessa trajetória, acabou sendo visto como o único poeta realmente concreto, ao passo que Haroldo de Campos e Pignatari migraram respectivamente para o Barroco e para a semiótica - campos de estudo e interesse aos quais costumam ser associados -, ou seja, tiveram uma fase concreta, de vanguarda, mas seguiram novos rumos, não ignorando a tradição, e sim incorporando-a à modernidade. Tem-se a impressão de que só Augusto é quem nunca deixou de ser um poeta concreto stricto sensu. Tentemos desfazer, portanto, esse equívoco. O objetivo aqui é analisar Augusto como poeta, não como crítico ou tradutor. A análise completa de sua obra tentarei fazer num estudo intitulado Augusto de Campos: o poeta contra, do qual este ensaio é uma pequena síntese. 

 

2

Depois de alguns textos em jornais e revistas prevendo o derradeiro movimento da poesia concreta, representativo, para muitos, da esterilidade moderna, Haroldo, Décio e Augusto o lançaram oficialmente em 7 de dezembro de 1956, no MAM, junto com o terceiro número da revista Noigandres, com a colaboração ainda de Ronaldo Azeredo. Seguiu-se uma série de textos teóricos, acompanhada por poemas, confirmando como precursores Mallarmé, Joyce, Pound, Cummings e João Cabral de Melo Neto. Naquele momento, a teoria, a exemplo do que escreve Antonio Risério, foi por um lado "fundamental para a nossa despronvicianização intelectual; por outro, foi uma afirmação libertária eloqüente, gritando a independência do poeta diante das imposições de ideologias teóricas e práticas que determinavam, para a criação estética brasileira, a subserviência a princípios extra-artísticos".[6] Como se sabe, a poesia concreta não combateu a poesia de Drummond, Murilo ou João Cabral, para citar o trio referido no início deste ensaio e cuja produção se dava na época em alto grau, e sim o classicismo da "geração de 45", que trouxe de volta um discurso retórico, quando não ideológico, e a obsessão pela contagem de versos e sílabas, ainda presente em alguns 'sapos de hoje'. Na visão de Risério, a "ortodoxia concretista, no momento mesmo em que colocava limites ao fazer poético, afirmava a riqueza da poesia e erguia um quebra-mar contra a maré autoritária das ideologias, que vinha para tentar converter os poetas em meninos-de-recado da revolução ou da contra-revolução".[7] A pretensão de uma poesia ideogrâmica, no lugar da estrutura sintática, que prestasse atenção não só ao conteúdo, mas à forma, à palavra como uma ilha, era (e ainda é) um tanto enfadonha para a academia brasileira acostumada com longos discursos líricos. Só que assim como o Un coup de dés, de Mallarmé, mantinha o vocabulário do Simbolismo, mesmo já sendo um avanço estrutural em relação à poesia anterior à sua criação, a poesia concreta foi lapidada a partir de uma obra inicial de seus criadores, isto é, nas entrelinhas dela já havia sinais dessa voz concreta, o discurso entrecortado - cada palavra recebendo atenção extrema. 

 

3

Contudo, Augusto, como Leminski diria, não começou concreto. No plano formal, começou procurando uma certa liberdade controlada dentro de uma estrutura, uma certa dicção capaz de dispor o pensamento sem reduzi-lo a um discurso monótono. Isso já se fazia presente em sua primeira obra O rei menos o reino, com sua produção de 1949 a 1951. Nada remetia ao tradicionalismo da "geração de 45", da qual Augusto chegou a testemunhar o início, já que era do Clube de Poesia. Próximo da poesia dantesca, Augusto diz em "O rei menos o reino":

 

Este é o rei e este é o reino e eu sou ambos.
Soberano de mim: O-que-fui-feito,
Solitário sem sol ou solo em guerra
Comigo e contra mim e entre meus dedos
Por isso minha voz esconde outra
Que em suas dobras desenvolve outra
Onde em forma de som perdeu-se o Canto
Que eu sei aonde mas não ouço ouvir.

 

Perceba-se o "Solitário sem sol", ligado à tradução que Augusto fez do terceiro verso do primeiro terceto do Inferno de Dante: "Solitário, sem sol e sem saída". De modo geral (generalizemos um pouco, se não o ensaio se estenderá além do devido), neste primeiro trabalho de Augusto, percebe-se uma tendência ao surrealismo, alimentado, provavelmente, por leituras de Murilo Mendes (de quem estranhamente Augusto, em artigo de 1977, diz nunca ter lhe interessado[8]), que também inspirou Cabral. Augusto, porém, parece estar baseado no processo cabralino, procurando uma linguagem mais simétrica, como o poeta pernambucano demonstrara até então em Pedra do sono e O engenheiro. Não conseguia (ou não queria) como nunca conseguiu uma poesia capaz de "lavar-se da que existia", como João Cabral a concebe no poema A AUGUSTO DE CAMPOS, de Agrestes.[9] Perceba-se as duas epígrafes - uma, com os versos iniciais da Divina comédia de Dante, a outra, do poeta romântico Friedrich Hölderlin. A dicção e a influência soavam tradicionalmente modernas, enquanto os títulos mantinham  uma concepção clássica, como "Canto do homem entre paredes", "O vivo", "Sois vós, serena", ou "Poema do retorno". Toda sua poesia inicial era sustentada, de qualquer maneira, por uma linguagem mais trabalhada e concisa, dentro de um planejamento que desaguaria, anos mais tarde, no lançamento da poesia concreta, ou seja, investia numa linguagem de ruptura.

Sua fase inicial se caracterizaria pela presença da angústia, esse "leão de areia", por um desespero que remete a Paul Celan. Angústia que nos conduz também a alguns escritos pertinentes de Heidegger, para quem a angústia era simplesmente o "Nada", outro vocábulo que cabe bem ao campo em que Augusto atua. Contemporâneo do poeta alemão (Augusto escreveu os primeiros poemas um pouco antes de Celan lançar Ópio e memória, em 1950), também amigo de Heidegger, é óbvio que Augusto não o conhecia. Impressiona, de qualquer modo, que Augusto, em seus signos (o da "pedra", do "canto", da "morte", dos "braços", do "corpo", por exemplo, além do "Tu", referindo-se ao Outro) esteja tão próximo da obra de Celan: a mesma obsessão pela palavra quase como um cadáver, do canto abafado entre paredes, e que tenha escrito tais poemas entre os 18 e 21 anos (Celan se lançaria mais velho, aos 30 anos de idade). Os signos de Augusto já se mostram cristalinos (ele utilizaria a expressão "clareza de cristal" no poema "desplacebo", de NÃO), como se mostrariam mais adiante nos poemas tanto da fase concreta ortodoxa quanto das fases posteriores.

Mais do que a poesia de Cabral se parecer com a de Celan, semelhança destacada em conhecido estudo de Modesto Carone,[10] a de Augusto parece mais condizente com essa relação. Vivo, ele se sente morto, em "Diálogo a um", no qual escreve "Sou poeta, digo o que não morre / Morto / Enterrai-me no meu corpo", como se o que dissesse fosse eterno - realizado através da escrita - e o corpo apenas emulasse a morte material. Em "Poema do retorno", o poeta parece cavar um buraco para seu grito - imagem que caberia perfeitamente em Celan, tal como as imagens de dor pessoal em "Sois vós, serena" e "Quando eles se reúnem". A pedra, com certeza, como na estréia de Drummond, ficava no meio do caminho de Augusto. No poema "O rei menos o reino", a Angústia do poeta rói um "não de pedra", neste reino, que, se tocado, "desfaz-se em pedra", "que se faz gente".[11] O nome do poeta está gravado na rocha. "O sol é de pedra como o Canto", Canto "Que a mim só desencanta, duro como as pedras / A seda que adormece em teus ouvidos". O próprio corpo torna-se representação desse "duro reino" retratado pelo poeta. É retomada a Angústia inicial: "eis a flor marcada a ferro / Que um vento solitário, o DESESPERO, / incrustou numa pedra nua, o TÉDIO". Novamente, a pedra serve como representação de um sentimento negativo, e se reproduz paralelamente às palavras:

 

Arrancaste-me a língua e a hera cobre estas palavras
Pedras
Que se rompem de mim com o sangue de meus vasos
E eu mordo com meus dentes em derradeira oferta
Falam em pão em prata e eu ouço PEDRA

 

As pedras, desta vez, são separadas com o "sangue de meus vasos", representando novamente a presença do corpo. Este se distribui também em cabeças escuras, braços amargos, olhos cegos como bocas, crânios escuros, bocas sem lábios, nucas inertes, ouvidos podres e negras vozes. Os vasos podem ser, no caso, tanto objetuais quanto sangüíneos. Não por acaso, em "Canto do homem entre paredes", o Canto abafado e duro como as pedras aproxima-se da angústia do corpo: "As paredes suportam meus pulsos de carne". Ou seriam as pedras, já que em outro poema elas se rompem com o sangue? Há uma personificação: "As paredes se encaram / As paredes indagam seus rostos à cal / E me riem perdido além do labirinto". Em "Sois vós, serenas", o corpo, sendo pedra, torna à areia inicial, do início de "O rei menos o reino". Se no primeiro poema desta série, o deserto era areia, depois ele ressurge nos olhos, como visgo. Em "Sois vóis", o sujeito está em pedaços "me esquecendo em areia, eu". A dor continua presente:

 

Quem te amarrou aos seus pulsos à noite?
Quem com seu sangue mesmo tem sofrido
Tua sede e fome de cor?
Sabes.

 

A reunião de Augusto não traz alegria. Em "Quando eles se reúnem", Augusto escreve que a alegria é uma "pobre música", e, mesmo que seja servida em "rostos e faces",

 

Há alguém que - deitado sobre si mesmo -
Recebe os pés que pisam como se dançassem
E o vômito dos lábios amáveis e pequenos,
Alguém que rói os próprios punhos e chora
Pelo que deles resta e chora.
Que esmaga a cabeça grave contra um muro de carne
E com o sangue que jorra e as duas mãos
A recompõe direita entre as espáduas

 

O desalento que acompanha a melancolia do corpo, que "resiste de pé, cansado e vivo", é cabal, em "Poema do retorno", com a aceitação da morte: "Ó cavemos a terra, vinde". Epitáfio que se pronuncia em "Fábula", "Diálogo a um" - onde o Canto empedrado representa aquele que nasce enquanto o outro sofre e morre - e "Canto primeiro e último", onde o poeta escreve: "À noite a rosa é pedra a pedra é dura / Dura como a manhã dentro da noite" e, mesmo "em pedra" - transformado em pedra -, o poeta aceita o "incêndio" de suas fontes, e que o "vento carregue as cinzas do que era o meu rosto". Esta tendência à aniquilação perceberemos no livro mais recente de Augusto, NÃO, em poemas como "desplacebo", "fim de jogo" e "aqui", no qual encadeia-se com precisão a "vista de fora" e a "vista de dentro" do ser humano (em que "ver-me" pode ser também "verme", assinalando o fim). Esses vermes são a face de outro Augusto (dos Anjos) neste que no momento mais nos interessa.

A obsessão pela morte, pelo empedramento, presente no primeiro trabalho de Augusto voltaria a ressoar no segundo, O sol por natural, reunião dos seus trabalhos realizados entre 1950 e 1951, tendo a figura enigmática de Solange Sohl (pseudônimo de Patrícia Galvão, a Pagu) como tema do poema (ou dos poemas, se levarmos em conta que é uma série). Solange seria a "morte luminosa", "Com versos como vermes". A autodefinição do poeta, vinculada à melancolia de O rei menos o reino - "O poeta / [...] / [...] com uma flor escura / Dom quixote chorando / Contra os moinhos grandes / De vento do Poema" - antecede a sua transformação em corvo, representando a morte, a natureza morta e o semblante mórbido, noturno, cujo desejo é denegrir a imagem de Solange. O corvo diz, referindo-se a ela: "Sei - através dos lábios do poema - / Sua forma de cinzas entre a morta / E a viva natureza do seu canto". Ela passaria ser a "morte luminosa" - como o canto das sereias de Homero -, a culpa pelo poeta ter se transformado na ave escura em que se transformou, voltando ao verso do poema inicial de O rei menos o reino: "Solitário sem solo, ou sol, eu sei", de fonte dantesca, mostrando que já havia uma consciência metalingüística intertextual mesmo antes das ponderações de Roman Jakobson e Julia Kristeva, na poesia de Augusto: um diálogo entre os poemas (o mesmo acontecia nos poemas da fase inicial de Haroldo de Campos).

Menos melancólico que os livros anteriores, a coletânea seguinte, Ad augustum per augusta, além de fazer referência aos amigos Haroldo e Décio, é uma resposta ao "Rosa d'amigos" pignatariano. Dá uma resposta curta e seca aos suplementos literários da época, no fragmento "Nisso não cogitastes, / Heróis de suplemento: / Vossas letras e artes / Apodrecem no tempo" (uma mensagem à "Geração de 45"?) e retoma novamente a figura de Solange Sohl ("Sol longe"; "Mas a Solange eu lego / Meu coração ex corde"). Mais do que tudo isso, Augusto descreve sua mocidade em São Paulo, encerrando o poema como um novo Mário de Andrade (autor que ele nunca admirou, aliás), mas menos imbuído de espírito futurista:

Onde estou? - Em alguma
Parte entre a Fêmea e a Arte.
Onde estou? - Em São Paulo
- Na flor da mocidade.

Esse documento autobiográfico extremamente bem-humorado em sua composição, quase uma canção trovadoresca - os trovadores acompanhariam Augusto, em Verso reverso controverso, Mais provençais e Invenção -, serviu, historicamente, como abertura para Os sentidos sentidos, com trabalhos também de 1951 a 1952, que compreendem a fase em que Augusto já dava passos mais claros em direção a um Concretismo que seria firmado oficialmente no movimento criado em 1956. O poema "O coração final" é um exemplo disso, trabalhando com palavras-montagem, como Joyce: "Gladiatouro inc'oyable polindo as unhas / friáveis pardelivatesse / à lâmina de sua alma melrretida / Nocto malabar(rindo)arabe- / língua (com sopro) /atravesrelva move um pouco / os talos e / arrefece". Poema de um certo erotismo, trabalhado por meio de palavras-montagem ("aromaterna", "cuidados-orvalhos"), até explodir num espasmo ("neste interregno de tuas coxas / / enluernar teu coração de esperma"), "O coração final" faz uma analogia entre o corpo feminino e uma ave (como no poema dedicado para Solange Sohl): "Separar tuas pernas como as asas / de uma ave aberta a todo marfim" e a natureza ("E és somente / a planta de tua nudez"). E no poema "Esperança oh magna", Augusto escreve ainda: "a sempiterna seda sobre a seda / de uma coxa que cresce (eu poro eu pele) / espiral esperança granda granda", com um dos fragmentos que mais denunciam os caminhos futuros: "eu poro eu pele". Esse erotismo simétrico já traz o que seria retrabalhado mais tarde em Poetamenos: o amor, a figura amorosa. É, como escreve Augusto, "o amor que a mim comove / [...] / o amor que enverniza a flor, o mal, a fúria" (de "...lenda. A chuva é a chuva") e "o amor amor é mais / que o cio de um esquilo" (de "O poeta ex pulmões"), este muito mais bem-humorado. Nesse sentido, o poema que talvez melhor exemplifique a inevitável tendência da poesia de Augusto é "O poeta ex pulmões", que, além do plurilingüismo ressoando o amor do poeta por Lygia ("o poeta uma boca / lalipslíngua contígua / lygia"), lembra cummings, na utilização de tmeses.

Vejamos o poema "ly", de Despoesia, sílaba inicial de Lygia, companheira de Augusto. As letras, em "ly", organizam-se em dois blocos, representando mais do que a idéia de um casal, a materialização de um espelho:

 

eu
ev
oc
eu
ma

pe
ss
oa

Reparemos na repetição do "eu" na primeira e na quarta linhas, aqui fazendo parte de "voc (e u) ma", isto é, no complemento do par ("você" e "eu"). Depois na presença da conjunção /e/, isolado ou dentro de palavras, nas linhas 1, 2, 4 e 7, dando o mesmo sentido de união. Para assinalar a completude do casal, no "só", há o o com acento agudo assinalando a conjunção entre ambos (proposital, à medida que voce não tem o circunflexo, ou seja não se completa, enquanto eu e você são uma "só" pessoa). Em "uma", há o /a/ da feminilidade; em "só", o /o/ masculino. Eles reaparecem nas última linha, no final da palavra "pessoa". Na linha anterior, há também os "ss" que representam a semelhança entre ele (o) e ela (a), tornando-os "uma só pessoa". Esse entrelaçamento já era visível em "O poeta ex-pulmões", dos anos 1950, em que, depois de uma declaração cifrada à amada, Augusto escreve: "a morte / amor te / engole / peromnia / augulygia". Perceba-se que "peromnia" é uma junção de "per omnia", presente no verso do último soneto da Vita nuova dantesca: "per omnia saecula" (por todos os séculos), declaração de Alighieri a Beatriz, desta vez recitado por Augusto, cujo nome igualmente se funde à Lygia em "augulygia". Ou em "eis os amantes", da série Poetamenos, em que escreve: "cimaeu baixela / ecoraçambos". O movimento do amor (em cima e embaixo) e do coração do casal reunido num só ("coraçambos"), esquecendo um pouco a eroticidade asséptica de Solange Sohl. Em "Coisa", outro poema de Despoesia, novamente devemos atentar para o amor atemporal estabelecido pelo poeta. Ele recupera o verso final do Paraíso de Dante em dois momentos, nos fragmentos "che move" e "il sole". Lembremos que Dante escreveu no último verso da Divina Comédia, no fechamento do Paraíso: "Il amor che move il sole e autre stelle". E que na epígrafe ao primeiro livro de Augusto há o verso inicial da Divina Comédia, do Inferno.[12] Parece sintomático Augusto encerrar "coisa" com o verso final do Paraíso, já que completa um círculo, atrás de Lygia. Sob a influência contemporânea do I Ching (de Cage, pois, seguido pelo acaso), o poema traz referências, moldando a tom amoroso, à canção "This funny thing", de Cole Porter, à "Little wing", de Jimi Hendrix, à "lauzeta" de Bernart de Ventadorn ("Quant vey la lauzeta mover") e ao "l'olors d'enoi Noigandres", de "Canzo", de Arnaut Daniel. Poetas e músicos ligados no tempo. Este plurilingüismo e romantismo de "Coisa" remetem ao "O poeta ex-pulmões" e aos poemas da série Poetamenos, nos quais Lygia era a figura feminina em destaque. Lygia que substitui a Laura de Arnaut Daniel,[13] como bem observa Antonio Risério.[14]  

 

4

Augusto também dedicaria à sua companheira, na série Poetamenos, o poema "lygia fingers". Série de poemas visuais e coloridos baseados nas "melodia de timbres" de Webern, a dissonância neles com a sintaxe habitual era mais evidente. A percepção de que as palavras poderiam ser vistas como ideogramas inseria-se numa estrutura espaciotemporal, por meio de uma "sintaxe analógica". Este foi o principal ponto de discussão de Augusto em suas cartas trocadas com Gullar. Este, afeito ao surrealismo automático, que confundia a quebra da palavra com a transgressão humana, não com a presença do silêncio, desconfiava da mistura entre artes espaciais e temporais e, obviamente, não compreendeu Poetamenos (suas cartas a Augusto, publicadas em Poesia antipoesia antropofagia,[15] mostram isso). Os poemas dessa fase de Augusto, inscrevendo sua preocupação com as palavras e letras como se fossem retratos de notas musicais, daí serem coloridas - idéia que, se não fosse tão bem realizada, poderia ser vista apenas como forçada pelo ímpeto juvenil de fazer algo diferente -, já estavam em sintonia com o que John Cage faria a partir da publicação de seu Silence, em 1961: o diálogo entre música e literatura, e, claro, anteriormente, em Un coup de dés, Mallarmé. A figura do "poetamenos" já aparecia em "paraiso pudendo". O amor, contudo, era o verdadeiro tema da série, além de lidar com o plurilingüismo, jogando principalmente com palavras em latim e italiano. Só que era um amor fragmentado, atonal. "ly" se torna a representação de Lygia; ela que é mãe, figlia (filha) e sorella (irmã). Os dedos de Lygia marcam as digitais e as cartas de seus dias; o corpo torna-se música de seu silêncio [um canto de poetamenos, do púbis ao pênis; dos joelhos ao ventre e ao hímen ("inhumen") que o poeta expira]. Há telegramas, seguidos pela separação ("E avião voas?"; "separamante"). Caracterizam-se por um lento movimento solitário, interagindo no tempo e reproduzido nos brancos da página, possivelmente uma recordação nostálgica de Augusto em visitas ao Rio de Janeiro, durante os anos 1950, para visitar sua então namorada Lygia Azeredo. O rompimento com a sintaxe tradicional, aqui, não é o mesmo que propõe, por exemplo, Gullar, em "Rozçeiral", de A luta corporal. Em Poetamenos, a sintaxe se realiza no espaço e no tempo, por meio da música e do verbo, através das cores das palavras que representariam sons musicais, e as palavras embora pareçam destruídas, destituídas de sentido, funcionam no conjunto gráfico, quando interligadas pelo olhar do leitor. Como Roland Barthes vislumbrou, a poesia moderna reduz o discurso a "estações de palavras",[16] visão adequada a esse poema de Augusto, e são essas estações que compõem o mosaico ao qual olhamos com interesse. No poema de Gullar só há uma contestação da palavra como objeto tipográfico, tátil: ele quer destruí-la, achando que, assim, ela está recriando a articulação verbal do ser humano. É uma escrita subconsciente, surrealista. Não sugere nenhum traço musical. Seu objetivo é mostrar escombros e a admiração de tê-los feito, evitando a realização completa da palavra como signo remanescente de uma página em branco.

Prosseguindo no caminho de uma poesia com musicalidade quebrada, rompida, em 1955, já tendo feito o poema "salto" (1954), prenúncio da poesia concreta, Augusto faria Bestiário, um conjunto de poemas multi-fragmentados, inspirados certamente em suas leituras e traduções (já em andamento) de Cummings - com quem se correspondeu durante a década de 1950, para poder publicar suas traduções. Em tal conjunto, as palavras "descem", entre cortes ("tmeses"), pelo esôfago, representado pela estrutura do poema. Toda a reflexão do poema é uma metacrítica à figura do poeta e à sua irrealização que se manifesta "nesta animal espécie que lhe é funesta". Perseguido e isolado do mundo, ele torna-se um "parasita paralítico" em seu "laboratório sem sol ou salário" (ou "labor sem sol ou salário", materializando um diálogo com sua tradução do terceiro verso do primeiro terceto do Inferno, de Dante Alighieri: "solitário, sem sol, e sem saída"). Esta representação estrutural seria utilizada no mesmo ano em "Ovonovelo", poema que intitulou a série de poemas concretos (aqueles aos quais muitos se referem, atualmente, como palavra-puxa-palavra) realizada no período de 1954 a 1960. Poesia às vezes preocupada em excesso em atender alguns preceitos da teoria da poesia concreta, mas, como as teorias antropofágicas de Oswald, até hoje pouco deglutida entre nós, é vista, não sem injustiça, mais como símbolo de um período ingênuo do autor. Entre poemas mais densos e trabalhados desse período estão, sem dúvida, "Tensão" (equilíbrio entre barulho e silêncio), "Corsom" (em que a mistura entre a cor e o som resultava num coro) e "Flor da pele", equilibrados entre as palavras e a tensão da estrutura que mostram. Se as imagens de Augusto se mostravam mais abrangentes em sua fase inicial, a partir desses poemas o isolamento entre as palavras, o branco da página e a chamada esterilidade[17] seriam muito mais evidentes, propondo uma transição para o leitor, independente do movimento ao qual eles estariam ligados. 

 

5

A partir de "Greve", um poema divisor de águas na trajetória de Augusto, depois dos poemas da fase concreta ortodoxa - sua pedra no meio do caminho, sua passagem mais evidente pela vanguarda que pretendia mudar o mundo[18] -, esse silêncio passa a ser a representação do poeta em greve, que não é ouvido nem atendido no mundo contemporâneo, nem ao menos se importa com isso (à maneira de Mallarmé[19]), apenas, como Celan, lança poemas como garrafas ao mar[20] (antes dos seus telegramas ao espaço).

O poema, que recebeu uma versão computadorizada de Augusto, com as palavras "greve" piscando na tela do computador, conta com um espírito maiakovskiano. O poeta se sente um "escravo se não escreve" e que, abafado pelo momento histórico, opressor, "grita grifa grafa grava" a "única palavra" que é "greve", ou seja, a poesia se volta para a própria esterilidade. É o mesmo poeta que, nos anos 1980, escreveria, em três poemas distintos, os versos "um grito que não grita", "um som que não soa" e "vagaremos sem voz", ou transformava ondas marítimas no murmúrio da baleia em "canção noturnadabaleia". Ou que em sua fase inicial enfrentava o canto abafado entre paredes. Nesse período de "Greve", arrebatado pelo "salto participante" proposto por Pignatari para o Concretismo, mas com menos intuito de chegar ao grande público, Augusto também escreveria dois poemas excluídos de VIVA VAIA: "Plusvalia" e "Cubagrama". Este, em particular, recuperava as cores da série Poetamenos e continua atual nessa época do poderio bélico ianque, embora também contemporâneo dos fuzilamentos de cubanos que tentam escapar da ditadura de Fidel. É, nas palavras de Haroldo, um "poema-de-agitação, agit-prop concreto-maiakovskiano".[21] 

Depois dessas breves incursões, Augusto prosseguiu o caminho do silêncio, entre 1964 e 1966 - uma resposta à ditadura -, numa série de poemas mais semióticos do que estritamente concretos: os "popcretos". Novamente aqui havia uma identificação de Augusto, tanto quanto em breve, com o "salto participante". Mas Augusto não trouxe a realidade histórica aos seus poemas. Levou seus poemas à realidade histórica: os exibiu numa galeria e poucos perceberam as críticas que um poema como "Olho por olho" faziam à ditadura. Na verdade, todos tratam do silêncio, através de um barulho visual dadaísta. "Psiu" é exemplar nesse sentido, constando acima da boca central no círculo a frase "Saber Viver, Saber Ser Preso, Saber Ser Solto", um recado objetivo aos coronéis. Foi a maneira que Augusto encontrou para ignorar o violão de rua e o cordel: a "arte de galeria", que incomodava a Décio Pignatari.[22]

Dado o passo para a visualidade do poema sem palavras ("Olho por olho" é um bom exemplo), tais poemas seriam os primeiros passos para a formação de Equivocábulos, de 1970, poemas que prosseguiam o experimentalismo da fase ortodoxa. "Pressauro" (alternando presente, passado e futuro) e "Rever" (com as letras finais invertidas[23]). Nesta década, Augusto faria ainda o livro-objeto Colidouescapo (1971), o "Viva vaia" (homenagem a uma vaia recebida por Caetano Veloso num festival de música), o poema-objeto "Fim", de 1972, os Poemóbiles (antecipando o movimento dos poemas do CD-ROM de NÃO), de 1974, e "Tudo está dito", do mesmo ano, inserido na Caixa preta  (1975). Além disso, prosseguiu na realização dos Profilogramas (iniciados em 1966), e as intraduções, sobre poemas de Edward Fitzgerald, William Blake e Ausonius. Parecia tender mais para o trabalho de um artista gráfico. Isso, ao invés de aproximá-lo da publicidade, caminho apontado por alguns, ajudaria sua fase seguinte, em Stelegramas.

 

6

Ainda hoje alguns querem interpretar a obra de Augusto - não só a dele, em alguns casos também a de Haroldo de Campos e do pouco que ainda escreve Pignatari no campo da poesia - como poesia concreta, igual à da fase ortodoxa dos anos 50 e 60. Se levarmos em conta o sonho "verbivocovisual" da poesia concreta (misturar a palavra grafada com o som e a imagem), Augusto foi o único dos criadores do Concretismo a insistir nele, mas por vias diversas.[24] O CD trazendo leituras musicadas de poemas (algumas que já constavam no CD Poesia é risco) da mais recente edição de VIVA VAIA, e o CD-ROM embutido em NÃO, mostram essa tendência, cada vez maior, de Augusto querer completar seu programa inicial, mesmo com as mudanças tomadas ao longo de sua trajetória. Um dos grandes pioneiros dessa área foi Arnaldo Antunes, cujo Nome (que trazia um kit com livro-CD-vídeo), de 1993, entusiasmou Augusto: "Eu acho que é um caminho extraordinário, que pode dar margem a coisas muito interessantes. Abre o horizonte para a poesia, que parecia fechado".[25] Junto a isso, o interesse por uma certa "poesia matemática" permaneceu em Augusto, sim, muito mais que em seu irmão Haroldo, que, afinal, a teorizou. Só que essa matemática passou a envolver novamente a sintaxe visível, não ideogrâmica ou analógica, presente no Concretismo radical, fazendo com que um certo "rigor matemático" gerasse "múltiplos sentidos livres, sugeridos, não estáticos", para utilizarmos algumas palavras de Arnaldo Antunes a respeito desse caminho de Augusto.[26] Pelo simples fato de que os blocos de palavras dessa fase ortodoxa se manifestam, a partir dos Stelegramas, conjunto de poemas realizado entre 1975 e 1978, com novas sonoridades, uma musicalidade mais visível, em razão da sintaxe, além do trabalho tipográfico delineado por novos formatos de letras, a poesia concreta ortodoxa teve fim antes de Stelegramas. Foi o período em que Augusto intensificou as traduções dos provençais, publicadas em 1978 pela primeira vez no volume Verso reverso controverso. Stelegramas (basicamente, telegramas direcionados às estrelas, "stele" de "stelle", estrelas em italiano[27]) inclui alguns dos melhores poemas de Augusto, que abririam as portas para o trabalho registrado nos anos 80. Alguns deles: "O quasar", "O pulsar" (gravado por Caetano Veloso) e "Memos". Esses trabalhos materializariam uma espécie de "poesia cósmica" ou "poesia noturna". "O quasar" e o "O pulsar", além da semelhança entre seus títulos, continham uma espécie de mudança de curso de Augusto: do "céu da página", com os poemas concretos, para o "céu real" de "O pulsar" (onde os "es" são estrelas, os "os", o sol, e os "as" lembram foguetes), cuja melhor interpretação é ainda a de Antonio Risério, em Ensaio sobre o texto poético em contexto digital,[28] e para o letreiro da cidade de "O quasar". A página ressalta o céu com o escuro onde não estão as palavras. Essas tornam-se janelas para um nova sintaxe, mais aberta ao diálogo, e as palavras são hieróglifos modernos.

Acompanhados de um ilimitado bom-humor, uma sintaxe mais palpável, objetiva, os poemas de Augusto em Despoesia prolongavam esse conflito entre o silêncio do cosmos e o silêncio da página. Lidar com o abafamento, com o emudecimento, com o espaço sideral, é o caminho proposto por ele. É a maneira que encontrou para subverter tanto Drummond quanto Cabral, dentro da tradição poética brasileira. Esses poetas falam do abafamento e do emudecimento ainda por meio de um discurso: Drummond, mais discursivo; Cabral, mais contido. Só Augusto chega ao limite desse jogo. O silêncio passa a ser resposta ao mundo da poluição visual e do barulho; o poeta se esconde em si, como um caracol ("colocar a máscara"). Na fase inicial, o seu empedramento, contendo a morte, se dava por meio de metáforas;[29] agora, ele se converte em silêncio da página. O branco da página passa a compor suas metáforas. Mas, embora pareça, não significa que para ele, como George Steiner nos coloca no belo ensaio "O poeta e o silêncio", "o silêncio representa as exigências do ideal".[30] Na poesia de Augusto, não há ideal; só ruptura, onde a consciência de uma utopia desperta constantemente abalada pela tradição.

"Pó do cosmos" e "SOS", poemas de Despoesia, ao buscarem a mesma linha de abordagem - o cosmos, seja silencioso ou musical, em sua relação com o outro e seus escritos, de onde se delimita o limite das coisas, inerente à superfície física do Concretismo - mostram essa utopia retardada pelo abafamento. Daí, desta vez, concordarmos com Steiner, para quem o silêncio implica a idéia de que "falar é dizer menos".[31] O menos em Augusto mostra-se como uma posição pessoal, mesmo que haja o "eu lírico". O eu não some em sua poesia, apenas se materializa numa linguagem indireta, neutra. O silêncio, por sua vez, é sintomático, em versos como "extudo mudo" (de "pós-tudo), "poesia / afazer de afasia" (de "afasia"), e "quanto mais / poetamenos / dizer" (de "dizer"), conduzindo à postura da "esterilidade", ao estágio em que o "excesso de exser" é um "desapareser".

 

7

O tema da morte, que era claro nos poemas da fase inicial, como vimos, tem se acentuado, paralelo ao silêncio, cada vez mais na obra de Augusto, daí ser normal que nela a vida seja tomada como um "vírus" e que só sirva para sangrar "poetas e papiros" ("papiros", neste caso, relaciona-se diretamente com a "pele do papel" de "anticéu"). É o sujeito que passa a ser dizimado. Esta solidão é cósmica, dando importância a partículas mínimas (os quarks de "dark dark dark / do vazio / ao quase quark"[32]) e não é por acaso que Augusto envia telegramas ao espaço como Celan lança garrafas ao mar. As palavras são estrelas que, em "anticéu" passam a ser "ex-estrelas em braille" que "brilham no branco do papel". Se nos anos 80, porém, o homem pode ser visto como esse "pó do cosmos", alguém que vaga solitário em círculos concêntricos no espaço em "SOS", nos anos 90, em "bio", ele não acha ser mais do que "micro ou macro", no universo informatizado tão material e à mão: o espaço virtual à sua frente, na tela do computador. E, "micro ou macro", o homem é universal ("clown", palhaço em português, ou "clone", cópia). Isso torna-se mais evidente em "SOS". Há, no primeiro círculo, o "eu" em espanhol (yo), em inglês (I), em francês (je), em alemão (ich), em italiano (io), em russo (o R invertido) e em latim (ego). O poema parece se abrir a um ralo sideral, na "noite que anoitece", ao contrário da janela aberta de "o pulsar" em que à medida que a estrela diminui, o sol aumenta na pele do papel e aos olhos do leitor.

Se o espaço em Despoesia era materializado no papel, em NÃO há o fracasso da página, restando um vácuo. As palavras parecem não crer mais num espaço sideral, só no "céu de mentira" da página. À primeira vista, ligada a esta perspectiva do desgaste e da morte, comparando NÃO aos livros anteriores de Augusto, sobretudo Despoesia, há uma certa diminuição da variedade tipográfica e a página mais "sóbria". Isso em parte poderia representar um certo desencantamento, apesar de no prefácio (intitulado "NÃOfácio") Augusto desmentir isso ao escrever sobre os clip-poemas. Agora só há "do nada do ninguém inascível" ao "início do ninguém do nada", em "desmargem". Há, portanto, o a migração do sujeito para a tela do computador. As letras datilografas de "inutil idade" atestam o caminho da sobriedade, da volta a um período que não existe mais, estando, porém, sempre à espreita. As palavras parecem não crer mais num espaço sideral, como em Despoesia, na tentativa de contato com o cosmos, em "o pulsar" e "SOS" (de livros anteriores), com a constelação de Mallarmé. Isso passa para o leitor, mais que em Despoesia, uma certa melancolia, representativa de sentimentos contemporâneos porque conduzida à realidade. O poema "NÃO", publicado artesanalmente em 1990, que retorna para complementar o poema "poesia" de Despoesia, é um exemplo, melancólico, pelo suspiro final a que chega o poeta, de que nada parece ser poesia. Como já observou Frederico Barbosa, este poema estabelece um diálogo com "Procura da poesia", de Drummond: "[...] o refrão que marca NÃO remete claramente ao verso 'O que pensas e sentes ainda não é poesia', do poema drummondiano". O objetivo de Augusto, porém, segundo Frederico, é outro. Enquanto Drummond "interrompe sua seqüência de 'nãos' para nos brindar com a sua receita de poesia", Augusto "se recusa a aceitar qualquer saída fácil ou generalizada para o poético", rumando "para o nada, que na poesia, assim como no mito pessoano, é tudo", pois, como anota Barbosa, no poema "o número de letras por linha, que de início é de dez, vai diminuindo a casa página" e as letras "vão sumindo uma a uma até chegarmos ao vazio total, ao final do 'NÃO' e ao branco da recusa final"[33] (este branco da recusa final, por sinal, é esquecido na reprodução de "NÃO", em seu livro homônimo).

Este suspiro de negar a poesia, falar da sua impossibilidade no mundo moderno, reitera-se em "desplacebo", poema de 1977, ou seja, feito na época de Stelegramas. Nele, Augusto define seu caminho nos primeiros versos, mas parece ouvir o chamado final, tal a contundência de seus versos: "ouvir as pedras / quebrar os espelhos / até o último round / o último suspiro / se eu cair (pound) / não caio de joelhos". Além da bela referência à música de Luigi Nono ("ouvir as pedras"), Augusto perfaz sua trajetória de luta, tomando o suspiro da morte como o "último round" a ser enfrentado, ele que passou a vida a "defender causa perdida" - por isso, talvez em "preoposições" ele só não risca o vocábulo "contra". Contra o quê? Tudo. Só poderia restar não o silêncio como representação de si, mas o que sobrou dele e não é completo: o "mur/mur" (io) e o "sus/sur" (ro), no poema "sub", que lembra o Bestiário, por seu trabalho vocabular mínimo ("meu diminuto ínfimo viver"). Reparemos que na poesia de Augusto nada é gratuito. Neste poema, "diminuto" sugere a expressão "de minuto em minuto", e "ínfimo" tem o "fim" gravado isoladamente, assim como o "o", representando o zero, o fim da vida. É uma espécie de testamento crítico. De uma secura, que se alia à angústia existencial dos primeiros poemas, soturna. A poesia de Augusto, conseqüentemente, está contaminada por Mallarmé, por Cage, pelos provençais, por artistas plásticos, músicos etc. É uma poesia "impura", uma poesia que filtra uma tradição, descontruindo e reconstruindo o seu próprio rastro de passagem, ao propor uma ligação entre a poesia concreta e a "tradição" de autores que buscaram a ruptura que a precedeu - para, no fim de seu movimento, fazer parte da "tradição da ruptura". Ele definitivamente não quer uma poesia, como sugere Cabral, capaz de "lavar-se da que existia". Augusto nunca alcançou (nem quis) a "pureza extrema" indicada por Cabral,[34] aquela pureza de Mallarmé de "dar um sentido mais puro às palavras da tribo", uma vez que sua poesia é uma recuperação de toda "tradição da ruptura" ocidental e oriental, por meio de referências, percebidas não só em epígrafes, mas dentro da composição de seus poemas. (Aliás, como observou Manuel Bandeira, em exposição sobre Stéphane Mallarmé na Academia Brasileira de Letras em 1942, o poeta francês não privilegiou a "poesia pura" assim como a entendemos.)[35] Talvez tenha sido o único meio encontrado por Augusto para enfrentar a obra grandiosa de João Cabral, que foi seu contemporâneo, apesar de o pernambucano ser 11 anos mais velho, um mestre do rigor como nenhum outro na história da poesia brasileira. Pelo próprio caráter comedido de Augusto, observado por Caetano Veloso em Verdade tropical,[36] o importante para ele, ao contrário da atitude de muitos autores, é prestigiar o Outro. Nesse sentido, as intraduções, mais experimentais que suas traduções "comuns", e os profilogramas, presentes em seus três livros de poesia, buscam, antes de tudo, o diálogo, a aproximação e a responsabilidade de se entender parte de um panorama. Entender Augusto passa, sem dúvida, pela Alteridade. É inapropriado avaliar que ele, por meio de sua obra, realiza uma poesia para si mesmo: essa é a crítica mais inadequada que se pode fazer - e muitas vezes é feita - à sua obra.

Olhando o Outro, diante de si, no poema que encerra NÃO, "sem saída", ele nos confessa, sem pieguice, em diversas cores (como o Poetamenos), colocando os "versos" ou "frases" em curvas, ondulações, como num "labirinto, onde se pode entrar a partir de diferentes direções (como observa Arnaldo na orelha) pela página:

 

Não posso voltar atrás (em roxo)
Nunca saí do lugar (em laranja)
Não posso ir mais adiante (em azul)
Curvas encantam o olhar (em rosa)
A estrada é muito comprida (em verde)
Levei toda a minha vida (em amarelo)
O caminho é sem saída (em vermelho)

 

Levei toda minha vida" só pode ser lido da margem direita em direção à margem esquerda, na "contramão da vida" (imagem de "desplacebo"), enquanto "O caminho é sem saída" desce da margem superior ao fim da margem inferior, à direita. Isto quer dizer que a vida inteira pode retroceder ("[...] minha vida retrocedendo [...]"), mas o caminho continua sem saída, emblemático para a poesia de Augusto, capaz de afirmar que nunca saiu do lugar, de que não pode ir adiante nem voltar atrás. É como se ele pagasse o preço de saber que levou toda a vida para descobrir que o caminho é sem saída - seus rivais estavam afinal certos, se bem que, como diria Pignatari em relação a Gullar, "pelo avesso errado" - e voltar é impossível, pois "a estrada (a vida) é muito comprida". Nesse sentido, ela é sem saída. Aproxima-se de novo da poesia de Dante, ou melhor, da tradução que faz do terceiro verso do terceto inicial do Paraíso, em italiano "ché la diritta via era smarrita"; em sua tradução  "solitário, sem sol e sem saída", verso tantas vezes lembrada neste ensaio. Em Invenção, Augusto explica: é o "meu Dante".[37] Este "sem saída" também é evocado na avaliação de Augusto de outro italiano, o músico de vanguarda Nono. Assim escreve no ensaio sobre esse músico em Música de invenção, afirmando que seu trabalho "admite o 'beco sem saída' (no hay caminos) mas insiste em querer caminhar sonhando pelos caminhos do imprevisto em busca de alguma lonjura nostálgica, utópica, futura - quasar quase humano - num presente esvaziado, onde tudo se deforma e se barateia, onde o homem, a cada dia que passa, mais decepciona com a triste medida do seu egocentrismo e da sua vulgaridade, e onde, a sério mesmo, parece haver pouco lugar para o que não deseja desprezo e desencanto".[38] Esta "alguma lonjura nostálgica, utópica, futura" (que seria o "quasar quase humano", do poema de Augusto) é a mesma consciência de Augusto diante da tradição: sua utopia se insere numa "tradição da ruptura" representativa da modernidade.

O céu além que se reserva a ele é o do "anticéu". Ele não morreu, embora se sinta já morto ("Sou poeta, o que jaz sendo vivo", dizia num de seus primeiros poemas). O que lhe resta, cegado pelas estrelas e pelo sol de "o pulsar", são as palavras em braille, o céu da pele do papel. Em "monturo" o céu é o mesmo. Quem saúda o poeta, do "lado de lá", é o mesmo Mallarmé das "ex-estrelas" em braille. Ele é o "presente / do passado / que não muda", "do céu / do futuro / que não mente", o poeta "morituro" que o saúda, do céu cheio de constelações de Valvins. Sendo assim o presente, para Augusto, é imutável, e o céu, que abriga o morto, é o do futuro que não mente, onde estamos desamparados pela linguagem. Ele escolhe o "zênit" do seu irmão Haroldo de Campos.[39] Velhice e infância, vida e morte, é o poeta "tentando viver sabendo que vai morrer", marcando a "inutil idade" da poesia. O filósofo romântico Novalis escreveu palavras adequadas a este ponto da poesia de Augusto: "Vida é o começo da morte. A vida é em vista da morte".[40] Aquele que em "rapidalentamente", de NÃO, escreve: "o tempo / avança / fujo de mim / e assisto à minha fuga / aquiles não alcança / a tartaruga / só o tempo não se cansa / e ruga a ruga / o velho mata em si / sua criança". É o poeta eternamente em busca de sua poesia, de sua utopia de infância. É o poeta de volta ao espelho, onde vislumbra a própria tradição na qual procurar desaparecer, em meio às palavras.

PS: Decidi não colocar as referências bibliográficas dos poemas de Augusto de Campos. Peço ao leitor que consulte diretamente as obras.

André Dick, poeta e ensaísta, autor de Grafias (IEL-RS) e Papéis de parede (no prelo). É doutorando em Literatura Comparada pela UFRGS.

Leia também poemas do autor e seus ensaios sobre Haroldo de Campos e Paulo Leminski.

 NOTAS



[1] Ver PAZ, Octavio. Os filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

[2] CAMPOS, Haroldo de. Mário Faustino ou a impaciência órfica. In: ______. Metalinguagem & outras metas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 197.

[3] Idem, ibidem.

[4] Ver CAMPOS, Haroldo de. Poesia e modernidade: da morte da arte à constelação. O poema pós-utópico. In: ______. O arco-íris branco: ensaios de literatura e cultura. Rio de Janeiro, 1997, p. 243-269.

[5] COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade. Tradução de Cleonice P. Mourão, Consuelo F. Santiago e Eunice D. Galéry. Belo Horizonte: UFMG, p. 41.

[6] RISÉRIO, Antonio. Ensaio sobre o texto poético em contexto digital. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado/CONEPE, 1998, p. 77.

[7] Ibidem, p. 78.  

[8] O artigo a que me refiro é "Concretismo: umas tantas mentiras e alguma matemática", de Augusto de Campos, Arte hoje, n. 4, out. 1977, p. 54-55.

[9] MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1999, p. 517.    

[10] O estudo a que me refiro é A poética do silêncio: João Cabral de Melo Neto e Paul Celan (Perspectiva, 1979).

[11] Haroldo de Campos traz à tona o poema "O rei menos o reino" no ensaio "Petrografia dantesca", que introduz as Rimas pedrosas, de Dante Alighieri. In: em Pedra e luz na poesia de Dante. Rio de Janeiro: Imago, 1998, p. 25-26.

[12] Augusto de Campos traduziu alguns cantos do Purgatório e do Inferno no capítulo dedicado a Dante Alighieri. In: Invenção: de Arnaut e Raimbaut a Dante e Cavalcanti. São Paulo: Arx, 2003.

[13] As traduções do provençal Arnaut Daniel estão também no volume Invenção.

[14] RISÉRIO, op. cit., p. 170-171.

[15] CAMPOS, Augusto de. "Poesia concreta: memória e desmemória". In: _______. Poesia antipoesia antropofagia. São Paulo: Nova Cortez, 1978, p. 55-69.

[16] BARTHES, Roland. Existe uma escrita poética? In: ______. O grau zero da escrita: seguido de Novos ensaios críticos. Tradução de Mario Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 46. 

[17] Interessante ler o ensaio introdutório "De Herodias à jovem Parca: uma arte de recusas" feito por Augusto de Campos para a obra Linguaviagem (Companhia das Letras, 1989, p. 13-43), em que há trechos de Paul Valéry sobre a "esterilidade" de Mallarmé.

[18] O próprio Augusto de Campos escreve no ensaio "Resiste, ro", em À margem da margem (Companhia das Letras, 1989, p. 159): "Com a cega animação da juventude, acreditávamos que a poesia concreta ia salvar o mundo. E conspirávamos, catacúmbicos, contra o lirismo nacional, o verso e a sintaxe [...]".  

[19] Para melhor compreensão, ver o ensaio "Mallarmé: o poeta em greve", de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Mallarmé. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 27-28.

[20] Ver CELAN, Paul. Arte poética: O meridiano e outros textos. Tradução de João Barrento e Vanessa Milheiro. Lisboa: Cotovia, 1996, p. 34.

[21] Ver CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem & outras metas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 193. Este poema, excluído de VIVA VAIA, pode ser lido em Grupo Noigandres (Cosac & Naify, 2002, p. 37), organizado por Lenora de Barros e João Bandeira. 

[22] Ver PIGNATARI, Décio. Contracomunicação. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 21.

[23] Numa carta a Haroldo de Campos, Octavio Paz qualifica Equivocábulos como "precioso e preciso". E acrescenta: "Marie-Joe pendurou o REVER reversível num vidro de nossa janela". In: CAMPOS, Haroldo de; PAZ, Octavio. Transblanco. São Paulo: Siciliano, 1994, p. 113.

[24] Lembre-se, claro, que Haroldo de Campos teve um especial carinho verbivocovisual pelo seu Livro de ensaios: Galáxias. Um fragmento dessa obra foi musicado por Caetano Veloso em Circuladô de Fulô. Além disso, Haroldo gravou o CD Isto não é um livro de viagem, com 16 fragmentos de Galáxias; e Júlio Bressane dirigiu o vídeo Galáxia albina e infernalário: Logodédalo. Além disso, Haroldo fez leituras de poemas no CD que acompanha Crisantempo: no espaço curvo nasce um (Perspectica, 1998).

[25] Ver ARAÚJO, Ricardo. Poesia visual - vídeo poesia. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 53.

[26] ANTUNES, Arnaldo. À margem da margem. In: ______. 40 escritos. São Paulo: Iluminuras, 2000, p. 52.

[27] No Suplemento Literário de Minas Gerais, n. 56, fev. 2000, Augusto de Campos respondeu a Claudio Daniel: "Penso sempre nos poemas 'Pulsar' e 'Quasar', de 1975, como mensagens numa garrafa cósmico-terrestre, à maneira daquela que foi enviada ao espaço, um ano antes, em sinais de rádio, do Observatório de Arecibo, ou daquela outra, que a sonda espacial Voyager levou, em 1977, num 'disco interestelar', à procura de um hipotético decifrador extraterreno".

[28] RISÉRIO, op. cit., p. 164-173.

[29] Lembre-se também do poema "Fuga", de Augusto de Campos, publicado originalmente no Jornal de Notícias de 1948, e republicado em Grupo Noigandres (Cosac & Naify, 2002, p. 9), cuja primeira estrofe é a seguinte: "Decepo as palavras / Esqueço as palavras / para sempre mortas. / Ausculto o silêncio: / ainda tenho eco". É possível perceber já aqui o empedramento das palavras ("para sempre mortas") e a resposta grave ("ainda tenho eco") ao silêncio transgressor.   

[30] STEINER, George. O poeta e o silêncio. In: ______. Linguagem e silêncio: ensaios sobre a crise da palavra. Tradução de Gilda Stuart e Felipe Rajaballi. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 68.

[31] Ibidem, p. 68.

[32] "Quarks são constituintes elementares dos prótons, nêutrons e todas as partículas que interagem através da força nuclear forte. Atualmente, existem seis tipos de quarks, todos observados indiretamente em aceleradores de partícula" cf. GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos da criação ao big-bang. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 406. Não esqueçamos que o filho de Augusto, Roland Azeredo Campos, é físico em Brasília.

[33] BARBOSA, Frederico. 'Não' é a nova poesia de Augusto de Campos. Folha de S. Paulo, 30 jun 1990, Letras, p. 7.  

[34] MELO NETO, op. cit., p. 517.

[35] BANDEIRA, Manuel. Seleta de prosa. Organização de Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 508

[36] VELOSO, Caetano. A poesia concreta. In: ______. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 206-229.  

[37] Ver CAMPOS, Augusto de, op. cit., 2003, p. 184.

[38] CAMPOS, Augusto de. Luigi Nono: a lonjura nostálgica, utópica e futura. In: ______. Música de invenção. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 218.

[39] "do zero ao zênit" é um fragmento de um dos poemas que compõem "O â mago do ô mega", de Haroldo de Campos. In: Xadrez de estrelas: percurso textual 1949-1974. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 75.

[40] Ver NOVALIS. Pólen: fragmentos, diálogos, monólogo. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Iluminuras, 2001, p. 43.

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