ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 GUY GOFFETTE


 

 

AVANT-POÈME

 

Cinq ans d´empierrement cinq ans de glacê

Jê fus cinq ans dans ce vaisseau figé

qu´on appelle Maison

Cinq ans a déterrer sa coque grise

Cinq ans à m´enterrer

 

Jê n´etais plus alors qu´une main noire et lourde

un cheval fauché

qui n´a plus que ses yeux pour courrir

une maisn à prise rapide

et tout Le ciel me passait sous le nez

Une main dure à échafauder

et les saisons l´une après l´autre

perdaient leurs têtes cavaliers

et roulait dans mes caves

leurs vides ventilés

 

Tortue l´échine crue

ma maison sur le dos

Jê devins taupe

avec une montagne a sortir de terre

Jê fus Poisson

Pour finir em paix la semaine

L´océan a demeure

 

Um jour qu´il faisãit nuit

Jê me pêchai pour voir

 

L`hameçon m´est resté accroché dans la gorge.

 

 

AVANT-POÈME

 

Cinco anos de empedramento cinco anos de gelo

Estive cinco anos neste navio congelado

a que chamam casa

Cinco anos a desenterrar sua concha cinza

Cinco anos a me enterrar

 

Eu não era então mais que uma mão negra e pesada

um cavalo ceifado

que não tem mais que seus olhos para correr

uma mão de gesto rápido

e todo o céu passava bem debaixo do meu nariz

Uma mão dura a

e as estações uma após a outra

perdiam suas cabeças altivas

e rolavam em minha adega

seus ocos ventilados

 

Tartaruga a espinha crua

minha casa sobre as costas

Eu me fiz toupeira 

com uma montanha a sair da terra

Eu fui peixe

para acabar a semana em paz

o oceano como morada 

 

Num dia que se fazia noite

eu me pesquei para ver 

 

O anzol ficou-me enganchado à garganta

 

 

EMILY DICKINSON

 

Laide est la petite cuisinière

mais elle touche le ciel

entre la planche à pain

et le panier de linges

 

Loude d´aimer les roses

au-delà de rosiers

elle s´envole avec la poussière d´or

des meubles

 

Dedans dehors douce où les coeurs

sont de pierre elle pleut

et du piano endormi sous la mer

tire mille e mille papillons

qui gardent la nuit plus haute

 

 

 

EMILY DICKINSON

 

Feia é a pequena cozinheira

mas ela toca o céu

entre a tábua do pão

e o cesto de roupas

 

Pesada de amar as rosas

para além das roseiras

ela se evola com a poeira de ouro

dos móveis

 

Dentro fora doce onde os corações

são de pedra ela chora

e do piano adormecido sob o mar

tira milhares, milhares de borboletas

que guardam a noite mais alta

 

 

O. MANDELSTAN

 

Au lecteur inconu

j´ai designé non le vers lisse

mais sa cassure

cette breche dans la muraille des vents

où je demeure

un bouquet de roses à la main

jardinier de l´isntant perdu

et comtable à jamais

de la lumière inconsolée

sous la paupière des aveugle

 

 

 

O. MANDELSTAN

 

Ao leitor desconhecido

tenho assinalado não o verso liso

mas sua fissura

esta brecha na muralha dos ventos

onde eu moro

um buquê de rosas à mão

jardineiro do instante perdido

e contador para sempre

da luz inconsolada

sob as pálpebras dos cegos

 

 

PESSOA

 

Au bout de la nuit il y a une chambre toujours qui

     reste aclairée

comme un feu de berger sur la coline

ou comme une étoile inconu

a qui nous donnons notre nome

ou celui de notre compagne

ou celui de l´absente

de la desirée de l´impossible

Et cela suffit a notre pas pour que la peur

nous quitte e l´angoisse

de ce qui nous attent derrière la porte

delivrés de notre poids

si nous marchons c´est comme em rêve

au bout nous-mêmes il y a une chambre qui ne

     ferme pas

pareille à un bureau de tabac em plein-midi

a une maison de passe à une pharmacie

au ciel de la marelle um jour d´été

une chambre unique où chacun peut entrer

s´asseoir ôter son masque et dire

à son image dans le mirroir

je n´y suis pour personne

 

 

 

PESSOA

 

No fim da noite há sempre um quarto que

se mantém aceso

como um fogo de pastor sobre a colina

ou como uma estrela desconhecida

a quem demos nosso nome

ou o de nossa companheira

ou o da ausente

da desejada do impossível

e isto basta ao nosso passo para que o medo

nos deixe e a angustia

do que nos espera atrás da porta.

Liberados do nosso peso

se andamos é como em sonho

ao fim de nós mesmos há sempre um quarto que

não se fecha

semelhante a uma tabacaria em pleno meio-dia

a um prostíbulo a uma farmácia

ao céu da amarelinha num dia de verão

um quarto único onde cada um pode entrar

e sentar tirar sua máscara e dizer

à sua imagem no espelho

não estou para pessoa alguma

 

 

 

L’ART DE

 

L´art de naitre un matin dans une cuisine de province

     entouré de choucas

(Ô la grise doleur des femmes qu´accuse la distance)

 

L´art de parler tout seul dans une cuisine de province

      sans attendre reponse

(Le cheval hennit au bout de pré, la mort ést-elle moins dense?)

 

L´art d´attendre la nuit dans une cuisine de province

      defaisant maille à maille

la robe de la lumière qui habilla ma mère et la mère de ma mère

(les yeux de chat assurent qu´elle m´ensevelira)

 

L´art de faire l´amour dans une cuisine de province

      avec les mots roulés

dans l´encre et la farine – et la femme à jamais lasse

      comme um coeur quin ne va pas a la ligne

 

L´art de descendre soleil dans une cuisine de province

      ayant jeté la clé

et le paillason tout ensemble dans ce coin de memoire

       evahit par les rats

 

L´art de mourir debout dans une cuisine de province

       regardant les colines

où les filles laissaron encore longtemps couler leurs

       hanches par ces après-midi trop vastes pour mes bras

(Ó dimanches em famille, amère adolescence)

 

L´art de n´avoir pás vécu dans une cuisine de province

       et de vouloir quand même

attendre le train d´Astapovo qui vient à l´heure

et qui toujours surprend.

 

 

 

A ARTE DE

 

A arte de nascer uma manhã numa cozinha de província

     cercada de corvos

(Ó a cinzenta dor das mulheres que acusa a distancia)

 

A arte de falar tudo sozinho muma cozinha de província

      sem esperar resposta

(O cavalo relincha ao fim do prado, a morte é menos densa?)

 

A arte de esperar a noite numa cozinha de província

     desfazendo malha a malha

o vestido de luz que envolve minha mãe e a mãe de minha mãe

(Os olhos do gato asseguram que ela me enterrará)

 

A arte de fazer amor numa cozinha de província

      com as palavras enroladas

na tinta e na farinha – e a mulher jamais lassa

      como um coração que não anda na linha

 

A arte do sol descer numa cozinha de província

      tendo jogado a chave

e o capacho tudo junto neste canto de memória

      invadido pelos ratos

 

A arte de morrer de pé numa cozinha de província

       mirando as colinas

onde as moças ainda deixarão por muito tempo fluir suas

       ancas por estas tardes vastíssimas nos meus braços

(Ó domingos em família, amarga adolescência)

 

A arte de não ter vivido numa cozinha de província

       e apesar disso querer quando

espera o trem de Astapovo que chega sempre pontual

e que sempre surpreende.

 

 

Traduções: Antônio Moura.

 



 

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Guy Goffette, poeta belga, nasceu em 1947. Vive em Paris. Publicou seu primeiro livro de poemas em 1969. Desde então tem trabalhado como editor da Gallimard. A poesia de Goffette tem sido comparada à Verlaine, de quem Goffette escreveu uma biografia ficcional. O poeta francês Ives Bonnefoy, seu contemporâneo, assinalou: “Goffette é um herdeiro a Verlaine. Um poeta que muito corajosamente decidiu permanecer fiel a sua própria vida pessoal, em seus momentos mais humildes. Retém as coisas simples e tem o poder de capturar maravilhosamente as emoções e os desejos comuns a todos nós. Goffette é sem dúvida um dos melhores poetas do momento atual na França.” Entre suas obras destacam-se Solo d'ombres (Ipomée, 1983), Le relèvement d'Icare (la louve, 1987), Eloge pour une cuisine de province (Camp Vallon, 1988, prix Mallarmé), La vie promise (Gallimard, 1991) e Le pêcheur d'eau (Gallimard, 1995), de onde foram tirados os poemas traduzidos.

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