ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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RODRIGO MAGALHÃES

 

 

 

 

O MURO

O menino em equilíbrio no muro.

 

                              As pernas tenras,

                              o peso tenso,

                              os olhos prenhes de milagre.

De súbito,

a queda.

 

           A primavera-centelha de Dubcek, Praga.

           Os desfiles dos tanques de Stálin, Moscou.

 

Frouxo,

o córrego de sangue,

ante-sala da cicatriz.

 

         Os cem mil da praça celestial, Pequim.

         Vinte e quatro execuções em público, Pequim.

 

Novamente o menino subirá.

Pois lá, acredita:

serei mais alto

serei mais nobre

e crescerei forte mais rápido.

 

            O muro caía de cima do homem, Berlim.

 

A criatura sabia cedo,

apesar do chão e da queda, que

le, o muro, será melhor

embaixo.

 

 

ASSIM FALHOU ZARATUSTRA

 

 

O canguru sabe a sua bolsa,

e o pequeno sabe o que lhe falta.

 

As abelhas nunca enganaram o pólen,

sabem que é por vôo, sabem que não é de comer.

 

É quase de trepar.

 

E os homens, anos a fio,

raspando e polindo a pedra,

o bronze, o ferro,

e era algo de abrir: chave de fenda.

 

Chave de fenda,

agora,

já é algo de matar.

 

Manhã,

no trânsito, um rapaz,

com o punho acima à procura

de um rapaz abaixo.

 

Baixou o punho, e o Homo erectus

não mais sabia o que fez da pedra.

 

Nem as cartas, antes ao poema ou às lágrimas

de canto, de um canto

do rosto que não busca o que aspira,

 

                                                              anthrax.

 

Pois Maria, a dos Curies,

já não tinha às mãos o radioativo

quando olharam e constatam:   

- General, deve ser de matar.

 

Logo, desenvolveram no horizonte

a técnica extraordinária

de pender e despencar.

 

Longe, sob o que era céu

e calou-se escuro,

o Homo sapiens não mais sabia o fogo,

 

incendiava.

 

 

GERMINAL

 

 

Éramos pelo suor, e ela me questionava.

 

Por que as unhas de afobação?

 

Outrora, eu conheci um aquário.

Um aquário do Gênese, macho

e fêmea segundo a sua espécie.

E havia lagostins, cuja carne era de um fundo

que as pinças sabiam. Sabiam, e se esgrimiam.                                   

 

E por que essa visão de crepúsculo, fui farta de costas?                   

 

O meu avô tinha lavoura e rebanho de corte.

Os bois nada percebiam do corte. E as vacas,

sem ignorância, ensinavam-lhes a cobrir.

Elas ensinavam no olho deles a aurora,

e a estocada.

 

E o banho? por que o meu corpo há de ser na

espuma?

 

O mar de minha terra era de cima

para baixo. Fluía e se quebrava.

À tarde, a maré recolhia os pedaços

numa linha mais humilde de margem.

E o ouriço macho, ali, plantado,

disse: a nado!

Longe, os gametas fecundaram.

 

Mas e a nuca? o que promete ao teu nariz e à tua

vontade?

 

Um amor de mariposa cabe no muro. Um amor vertical.

E qual consta da enciclopédia, nunca houve vertigem.

Há sacrifício e, pelo caminho,

um perfume.

 

E a que fim esta voz se rasgando?

 

As rãs, somente vistas através do espelho,

numa cal de banheiro. Óbvio,

elas só pensam no úmido. Coaxam.

Com dedos molhados, algo tateia o outro fôlego.

 

 

E agora, onde a tua palavra?

 

O coito já é morno

quando o louva-a-deus fêmea aproxima gesto mais firme.

O macho esperando – pensa que é um segredo.

Mais alguns segundos, e é nítida a fome dela na cabeça dele.

Ela só queria silêncio.

 

 

FÁTIMA

E eu chorava muito, sabe,

minha mãe na sala, eu no quarto,

revoltada, sem entender, até que dois

homens, de branco, assim como dois anjos

do Senhor, me disseram, as suas lágrimas não

deixam ela subir, molham o vestido, pesam, e aí

eu fiquei quieta, e aí eles levaram ela, e aí eles se foram.

 

 

*

 

Rodrigo Magalhães nasceu em Fortaleza em 1980. Tem um livro de poesia publicado pela 7 Letras, O Legado de Beltrano (2005).

*

 

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