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RODRIGO GARCIA LOPES


RIZOMA


Você deixou os instrumentos sob o sol rachando o som que penetrava rochas de cores escritas com o tato, você delirava considerando asteriscos num céu de areia hostil.

Os halos seguiram com os corpos, quebras de esquinas com o vazio do tempo nas narinas mornas do nômade, rimas taliban se dublam e enroscam como ramos, e se multiplicam em rajadas acordes que pastam solitária lucidez.

Durou o espaço de uma brecha o dia com pressa de partir e sede no cérebro luz árida exílio areia hostil.

Inóspita. A palavra habita um lugar que lhe é impossível. Não representa nada a não ser um estalo no . Devora as margens com a precisão dos grandes rios, mas vomita seu nada e seu devir, vácuo visível.

A razão negra desabrocha numa agulha. O próprio movimento interroga o espaço que cria atrás de si, sim.

Avança. Mais diz quanto mais se distancia.

Foi então que começaram as desaparições.


* * *

uma palavra salta da árvore do vazio
onde um gnomo nomeou
o invisível

soletra, lenta, seu proceder:
sempre o atalho mais surpresa
nunca do significado presa

e no retorno a si mesma
marca seu corpo na brancura:
seu som é sua nua criatura.


* * *


ORGANICISMO


Lótus obtusa, broto do Uno, idéia de duna às 3 da tarde, água ensurdece para que a blusa da brisa respire: nada mais claro, muralhas de açúcar se dissolvem na língua que sua pelo corpo (visto de cima): nenhum corpo nem palavra é sua, seu, epos se repete até que os ecos, sólidos como socos, impeçam seu trajeto de fronteira. Floresta significa estar fora disto, forasteiro, mas nenhuma rocha comenta seu mal-estar, fragmentos de conversas humanas, mal estando. Da semente um anagrama, a forma cava sua cova rasa, frestas tectônicas deslizam. Galhos (afrescos) recolhem tudo no caminho, como se, enquanto vicejam no vácuo destes estames pensamentos

* * *


A mulher passa correndo com seu cão,
e além dela o sol
entre pinheiros bastardos falha
em sua comunicação. Há
neblina, sim, mas na vidraça suja
de tempestade: mas isso já passou.

Depois que nada o corpo se completa:
a água o ensina a pensar. Mas noite,
sem dúvida, descreve
sua lenta aproximação

embora não tenha palavras transparentes
que garantam que nenhum ruído soe
como uma verdade em seus ouvidos.

Até lá, o sono virá, e com ele uma
interrupção: na espessura da espuma
O som do vidro é colorido.


* * *


Há algo espantoso no jeito como, de repente, luzes se fixam nas cores, fazendo os objetos, antes que escorressem para as margens nos chamando, se animarem. É como se confrontássemos com algo que, ao contrário de nós, não consiste em fugir. Cercá-lo para ver todas as narrativas deste minimundo. Agora telefone toca, e não penso nela ou em Cathay ou da vez em que, cai uma folha, a cadela me observa, novo momento sem memória, como se tudo fosse começar, começar e começar. Miopia amnésica. Gravura granulada. Estilhaços pássaros mudos luz da manhã que não é mais. Este espelho que se ergue entre os dendritos, sólido como uma lagoa em dia sem vento nem legendas, precisão que não passa de quimera, mero reflexo de idéia? O corpo se move entre interrupções, detritos, tem sido assim, sua sina e seu destino, desde o começo do sentido.


* * *

escreviver na sombra
do muro

com todas as letras
tensas

do teu nome
era

não deixar pedra
sobre perda

tampouco perder
o prazer

no limite das forças
e apesar

escreviver


*


Rodrigo Garcia Lopes nasceu em Londrina (PR), em 1965. Publicou os livros de poesia Solarium (1994), Visibilia (1997) e Polivox (2001), além de volumes de tradução de Sylvia Plath e Rimbaud, entre outros títulos. É um dos editores da revista de literatura e artes Coyote.

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Leia também um ensaio sobre o autor.

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