ZUNÁI - Revista de poesia & debates

[ retornar - outros textos - edições anteriores - home]

 

 

PAULO PLÍNIO ABREU

 

 

 

 

O BARCO E O MITO

 

Barco de madeira construído no ar para a viagem do mito.
Nau feita de vento
e força de um pensar antigo.
Tua quilha tem o sabor do sal das águas fundas
e de um peixe que atravessou a garganta de um morto.

Na tua vela tracei o emblema da rota
que um dia imaginei olhando a Grande Ursa
nos caminhos da noite. Nau sem porto,
as águas te seduzem e contigo me arrastam.
Barco feito de mito,
construído no espaço
com a matéria das nuvens.
Nau feita com o bico de uma ave
e um desejo de fuga.
Nau que a ti mesma te armaste
do nada que podemos.
Nave do nada feita e quase ave
desfeita em vôo puro e quase mito.

 

 

A ESTRANHA MENSAGEM

 

Ele veio nas trevas quando havia silêncio
e de novo trouxe a ternura dos galhos tombando para a madrugada.
Eu subi do fundo do mar como um líquen liberto
para ouvir a sua voz que era imensa
e trazia a ansiedade das flores explodindo,
mas só vi o silêncio enorme como a noite.
E ela chorou dentro de minha tristeza
porque era como a revelação do que eu havia perdido.
Ainda trazia nas mãos o frio dos troncos úmidos da noite,
e nos olhos a humildade da terra encharcada de chuva.

Um dia eu descerei verticalmente e para sempre
ao fundo deste mar onde ela mora
como um barco de pescadores desaparecidos.

Postado por Pedro Vi

 

 

RECOMPOSIÇÃO DO ENIGMA

 

Venho do fulgor de tua beleza
e espero o eclipse que deveria ter-te anunciado.
Sou quem não foi senão espanto
mas quem tua beleza bebeu e embriagou-se
num porto dessa Tróia incendiada.

 

(Do livro Poemas)

 

 

*

Paulo Plínio Abreu (1921-1959) fez parte da geração de Mario Faustino, Benedito Nunes e Max Martins. Tradutor de Rilke e T. S. Eliot. Dono de uma escritura singular. Paulo Plínio desapareceu sem deixar vestígios. Foi publicado (postumamente) em 1978 pela Universidade Federal do Pará.

*

 

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2010 ]