ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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NINA RIZZI

 

 

 

 

o vermelho é a cor mais encarnada.


*

 

chaos

 

de onde vim – belezas

e destroços, suam intensamente

 

tudo existe, dorme. até

que doa o útero, em desfio

 

gozam a doer profundamente, verdade

no rasgar das manhãs.

 

 

*

 

 

ceciliana

 

escorre o óleo do mundo - lima

de rícino, refino

 

mínima grama ou toda

canteiro, fecundo

 

a poesia é de quem

precisa, disse o carteiro

 

lhe ria, além a lama

ternas de exílio e poda

 

te revisito, o mundo - olha

entre as pernas.

 

 

*

 

 

variação barroca pra casa grande & senzala

 

a casa-grande era branca.

descalça, não entrava, não a via.

 

vivia na casa branca.

enquanto eu, num banzo tão encarnado, dona.

 

*

 

alquimia pra infidelidade

 

domitilla lhe doía. seu nome, domitilla, domitilla.

(um nome é só um nome. como isabel, fátima, cida.)

 

domitilla, se repetia, os olhos grudados 

no papel amassado e o endereço. os dedos se tremendo

um embrulho como ventoenvenganovoglia.

 

pinzón no mar doce e gama nas índias, na estante

cinco ou seis livros, um poema no papel 

amassado, como souvenir. mapa.

 

lhe doía o naufrágio. terra

à vista, menir. os olhos ruínas, ó, domitilla.

 

 

*

 

dente de leão

 

a beleza da sua namoradinha, sua constância, me assusta. apavora.

 

 

*

 

ensaio pra transubstanciação

pra ela, à distância digo
fecha os olhos

ouvimos toda a poesia universal

detemo-nos nos mitos
sou mandona, choro, gozo. triskle.

ela gosta

 

rimos. morremos.

 

e entro em águas, até senti-la quando.

 

 

*

 

outra cantiga de cego, outra

 

se eu não te ouvir

não ligue

toca o encontro da polca

com o índio e o africano e o ibérico

 

- choro

 

 

*

 

orla, 1890

 

encontro

 

mil decibéis acima dos sóis

dez graus abaixo, vulcão

pés, afinco, finco.

 

encontro

 

corpo, calma, carma

te rasgar, risco, vacilo, dentes

orixás, eguns, ancestrais

 

[te encontrar.]

 

 

*

 

variação pra orla, 1890

então eu te enganei toda a noite.

quando o vento fraco não me cortava a pele

e um amigo era MAIOR
que eu ali na sarjeta.

 

uma santa coexistia no fim do mundo.
e aquele homem transparente, seu.

 

enquanto seu corpo se contorcia em cólicas de ciúme e desejo
(contorcia?)
esticava-me em concha até cada osso estar moído.

 

junto do desespero da insônia, do abandono,

a imagem persistente dos meus ombros nus e jogados.

 

nuas e alumbradas.

 

 

*

 

flauta pra nzinga

pr'essa nêga matamba paranoica não basta dizer:

- está tudo bem.

- eu não ligo.

- vamos seguir juntos.

- há um princípio político [...]

ai, amor, são necessárias rosas de um rosa gritante,
poemas cavalares, históricos,
mais quadrinhas que redondilhos.

pra me amar e ter inteira, riso largo,
a face serena sem expressões franzidas ou teatrais,
é preciso drama, camarada:

os olhos a me caminhar, venerar, buscar;
fazer exigências, oferecer um lenço azul, um título ktke;
há que me torcer o esternoclidomastóideo até varar o ílio;
morrer de amor, guerrilha e poesia.

*

variação, homérica

a nostalgia da poesia, seu corpo,
rega tudo. são sangues
que desviam tua alma.

*

inventário

me vestem essas paredes, retalhos de poesia e cinema
que pintam a casa caiada de manchar inquilinos sonhos.

com dedos e sopros vou espanando a areia que murmura
nos talheres e pratos que me deram por conveniência ou despeito.

na rua, ficam me espreitando ali parados alguns postes.
patrulham o amor que exalo e tremo.
sereno, desvairado? que importa.

a fome arde em tudo e talvez seja eu
apenas esse espaço entre oceano e janela

 

 

*

 

Nina Rizzi, paulista radicada em Fortaleza/CE. É escritora, historiadora e arte-educadora. Tem textos e poemas publicados em antologias, nas revistas VacaTussa e La Papa Ruchada (Argentina) e em várias páginas da internet, entre elas, a Revista Germina Literatura, Garganta da Serpente e Balaio Porreta. Faz parte de Dedo de moça, antologia das escritoras suicidas (São Paulo: Terracota Editora, 2009). Edita o blog Ellenismos e escreve no Putas Resolutas e no Escritoras Suicidas. Endereço eletrônico: ninarizzi@gmail.com.

*

 

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