ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

MARCOS LOSNAK




MÚSICA DAS FOLHAS


Vento
é aquilo que retira a imobilidade das folhas

Dor
é o que recheia o corpo de vazios

Amor
é algo que não aparece quando estamos mortos

Brisa
é a sutil compreensão de que nada é imóvel

 

A Nutrição do Silêncio

para Sabrina

 

Os olhos não são as únicas vozes do silêncio

Existem muitas outras
na verdade um punhado delas
que flutuam sobre a medula da imaginação
e se esfregam no estranho como um dom
que toca a simplicidade de maneira iluminada

Pensar é um golpe de sorte
quando estamos sob o império do acaso
e a multidão não é o que aparece diante dos olhos
mas aquilo que as sombras vomitam
quando quase tudo parece calmo e claro

A culpa é uma extensão do medo
onde os fracos se curvam
onde os fortes se comovem
e nessa parca sorte
a idéia de que a vida
pode ser algo menor do que parece ser
é aplicável somente quando a consciência
abandona o próprio ninho
para se nutrir de outros ninhos que acreditam na idéia
de que a vida pode ser maior do que ela já é

Os olhos não são as únicas vozes do medo
são pedra que se aquecem sob o sol
e se esfriam sob as pálpebras do silêncio

 


A LEVITAÇÃO DAS PEDRAS


para Cynthia

A manhã são seus olhos
navegando pelo sorriso
contando a história das marés
e silenciando a música dos pássaros

Imantada pela luz do sol
transpassa os acordos do tempo
deixando a memória da pele
nas imagens do paraíso

As dores voam pela janela
levadas pelas abelhas
flutuam no calmo aceno
de um semiótico adeus

A manhã são seus olhos
gravitando em minha alma
deslocando a brisa úmida
para o sacrifício dos astros

O instinto recolhido na caverna
balbucia palavras em conchas
dizendo que o enigma da felicidade
é um sonho brincando no quintal

Nem sempre permanecerá assim
manhã soldada à vida como ouro
mas fatalmente levitará as pedras
enquanto inspirar o destino

 

UM PEIXE SEM LAGO


Um homem sozinho
é um lago sem peixes

Uma tristeza quase alegre
procurando um campo de papoulas
para alimentar suas dores

Muito pequeno para o que sente
mastiga os insetos mais venenosos
como se acendesse uma vela aos pés de deus

Uma cabeça lançada ao desvario
que extrai de si mesma longos membros
para sobreviver no breu das margens

É o mais feliz dos animais
vive onde o álcool purifica as feridas
onde o amor é uma febre
que se cura com drogas e delírios

Um homem sozinho
não precisa falsificar suas dores
elas já nascem com ele
como capim onde há terra
como merda onde há gente

Ele sabe que é tarde
quando cachorros lambem seus pés
quando os cabelos tornam-se espessos
besuntados pelo óleo do absurdo

Sabe quando deve morrer
retirar-se de onde nunca esteve
e nunca desejou pensar
e mesmo assim
manteve os olhos florescidos de sinceridade

Seu coração deseja o deserto
sua felicidade não é a felicidade de todos
é a simples felicidade impossível
de um único um

Um homem sozinho
é um peixe sem lagos

*

Marcos Losnak nasceu em Bauru (SP), em 1964, mas vive hoje em Londrina (PR). Publicou o livro de poemas Um urso correndo no sótão (2002). É resenhista da Folha de Londrina e um dos editores da revista Coyote.

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