ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ISABEL FURINI

 

 

 

 

RESSONÂNCIAS

 

Procuro na noite ressonâncias gravadas nas rochas de diorita

(ásperos gritos de morcegos e gaivotas

em um ocaso onírico).  No mercúrio

das horas busco sinais,

vasculho o mosaico da memória

(arquetípica)

e invado o enxofre do tempo

(globalizado).

Avanço

                          (intempestivamente)

e acaricio os azuis relógios pintados por Dalí

                          (extravagantes).

 

Esses ternos relógios

(amaldiçoados),

marcam horas diferentes,

(ternos, paranóico-criticos, dementes)

desafiam  a percepção cronológica e

                                               (no sal do tempo)

           agouram a  (des)ordem,

                                   (des)agravada

           na melodia caótica do mundo.                    

 

,,,

 

, vírgulas, vírgulas, vírgulas

de silêncio rastejando pelos dedos amortecidos,

escorpiões sedentos de palavras, famintos, famintos...

 

ela, assustada, fragiliza vocábulos,

isola flores famintas de ternura,

digita amor em labirínticos alfabetos,

 

cinzela substantivos com suas mãos,

 

e alicerça seus textos com vigorosas vírgulas,

                                     

 

 

OCASO

 

                          (Para Jorge Furini, poeta e psicólogo social)

Espectro dos sonhos

(alguém traça um mapa com um astrolábio),

envelhece o dia e transfigura

imagens lacanianas

 (tegumentos de histórias

embebidas no vinho agridoce das fábulas).

         

 

VIVÊNCIAS

 

  Dedicado ao poeta Claudio Daniel.

Ele escreve poemas a partir de mantras.

(Om Lakshmi pataye namaha)

 

Palavras serpenteiam no vento entre ondas e incenso.

Sabores naufragam

no prisma da memória.

 

Nada escurece as lembranças de experiências

(antigas e futuras),

torrentes de emoções acordam

(e dançam),

clareia a noite cinzelada em rochas de palavras

                                                 (mantras)

clandestinos afetos invadem o castelo da alma

e a deusa dança sua dança

(infinita).

 

Om Lakshmi pataye namaha.

 

 

TRANSMUTAÇÃO

 

Nesse quadro (terra de esquecimento

e solidão)

ecoa o tempo.

 

Os relógios,

(oráculos do mundo,

críticas mudas,

eloquentes

obsessões permanentes)

tremem e derretem atingidos pelo mutismo e pelo vazio.

 

Transitam sonhos e emoções

encalhados nos relógios,

imagens de solidão e indiferença atacam o âmago

da consciência individual.

 

O silencio imperativo surpreende

e, de repente,

transformados em fantasmas,

(fixo o olhar),

integramos o oráculo infinito

do silêncio, dos relógios

e desses sonhos sustentados pelo amorfo adormecido.

 

 

TULIPAS

 

Lateja a vida nos meteoros das cores e das formas.

A  artista multiplica tulipas

no universo da tela,

e as flores alegram as retinas.

                                   *

 

O PROCESSO DE KAFKA
 

Gárgulas procuram o Processo

e o misterioso Castelo de Kafka.

 

Gárgulas ferozes

conspiram no silêncio,

escalam as muralhas

e descobrem invisíveis paredes de pedra e solidão.

 

Medos instintivos

voam por ruas ignoradas,

poeirentas,

em uma cidadela de fracassos

e desamor.

 

Cobras de emoções envenenam antigos alfabetos

e  invadem os livros de Kafka,

(triunfantes)

 reeditam o processo

(eterno)

no labirinto do tempo.

 

VAN GOGH

 

Ulula o chicote do tempo
no vulcão das horas,
e no local absurdo,
                       tétrico,
do porão da mente,
o brilho dos quadros
cinzela as noites de insônia.

Enquanto emoções disputam
espaços,
a orelha - banida do tempo -
impulsiona-se    para a eternidade.

                                  

 

QUARTO SEM SOMBRA

 

(1º Lugar – Concurso de Poesia da Academia Itapemense de Letras, SC)

 

Esquecido do mundo, Van Gogh pinta.

Seus quadros são cartografia de subterrâneos anseios

tatuados no corpo e nas mãos.

 

O eu instintivo

(adolescente)

extravasa emoções,

extasia-se nas cores dos trigais,

no voo dos corvos,

nas expressões dos rostos operários,

nas luzes de Arles.

 

Pinta em um ritmo alucinante,

pinceladas justapostas ganham vida.

Obsessivamente

retrata seu quarto com movimentos compulsivos.

 

Seu quarto não tem sombras,

ignora-as,

(elas o aterrorizam com suas histórias).

Mas as sombras tentam entrar pela janela entreaberta.

Espreitam    

                (invisíveis)

desde as paredes do quarto do quadro do artista.

 

A loucura perambula pela casa amarela.

 

A TRAGÉDIA GREGA

 

Ódio e rancor vasculham,

ladinhos,

as cavidades das orelhas e dos olhos,

e a boca solta uivos estrondosos.

 

Ferozes 

as cruéis lembranças das  retinas

extravasam o sarcasmo,

somam fracassos,

reformulam  palavras, lançam facas

e olhares.

 

As tragédias gregas despertavam

o horror adormecido nas entranhas.

 

Hoje os vampiros comovem,

mas ainda grita Prometeu acorrentado

no alto da montanha

– ainda grita.

 

 

*

 

Isabel Florinda Furini é escritora, palestrante, poeta e educadora. É autora de O Livro do Escritor, da editora Instituto Memória. Edita uma coluna de livros no jornal Indústria&Comércio (Curitiba). Recebeu o 1° Lugar nos Concursos de Poesia: Estadual de São José dos Pinhais/ PR, 2002. No Internacional Missões, Roque Gonzáles/RS, 2005.  Academia Itapemense de Letras, em 2010.  2º Lugar revista Katharsis, Espanha, 2009.

*

 

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