ZUNÁI - Revista de poesia & debates

[ retornar - outros textos - home ]

 

 

EDSON COSTA DUARTE

 

 

 

 

I

 

A noite inteira

Esperou

Um olhar

Um sorriso

Mas nada

N’água

O desejo indeciso.

 

 

II

 

Renascer

Tem sido

Cada vez

Mais

Doloroso.

 

 

III

 

Lágrimas

só deságuam

para que o olho

cumpra

seu destino.

 

 

IV

 

O poeta não pede.

Implora.

O poeta não vibra.

Cala.

 

Estranho vício

de ser hóspede

do silêncio.

 

Azul e branco

faço do meu ofício

essa sede de luto

essa espiral do tempo.

 

Sei que o poeta implora.

Sei que o poeta cala.

Atravessando a ponte

vejo uma sombra do tempo

todo navio, soçobra, um dia

eu penso.

 

Eco da solidão

e o poeta dorme

alucinado hóspede

do silêncio.

 

O poeta nada fala

apenas

 

FITA.

 

 

V

 

Também tenho corpos.

Pêlos. Poros.

Ilusões e desespero.

 

Ele me diz:

dinheiro vício

negro carnaval

e fodas.

 

Também tenho o provisório

gravado no corpo

e o vasto desvario sobretudo.

 

Homens imberbes

comem à nossa mesa.

E sei que um dia

seremos os nós

atados

na ossatura do espírito.

                   

Imensos.

Breves.

Desatentos.

 

 

VI

 

- Diz-se que tenho trinta anos; mas se vivi três minutos em um..., não tenho noventa anos?

 

— Charles Baudelaire

 

As geografias me cansam.

São sempre as de antes:

Luzes, asfalto.

Árvore que passa.

Passa.          

E sempre é a mesma

multiplicada

em espécie e matéria.

 

As geografias me cansam.

Paris. Roma. Barcelona.

Nem mesmo

A Sagrada Família de Gaudi

é suficiente o bastante para acabar

com a tediosa mesmidade

dessa planura de Barcelona.

 

Vitória. Brasil. Espírito Santo.

Quatro pessoas. Mãos dadas.

Dois casais, eu penso.

E eu (na contracorrente)

me vejo na caçamba

de uma saveiro de dois lugares.

 

Vento. Luz da lua. Coqueiros.

Tudo é anônimo. E o mesmo.

Depois uma curva. Outra.

Mais uma à esquerda.

E enfim o mar.

 

As geografias me cansam.

Novembros. Agostos. Dezembros.

É tudo sempre o mesmo

insensato círculo do tempo.

 

Duas da manhã. Sete. Cinco.

Quantas semanas tem um dia?

 

Depois. O mesmo cigarro

da ausência. O medo me

esperando de tocaia

na próxima esquina.

Rua sem saída.

Muro.

Labirinto.

 

As geografias me cansam.

O azul. O refluxo do mar.

Tua cama. Você ausente

no moinho dos dias. Nada

te liga a nada.

 

E seriam outros outubros.

Alberto. O inverno.

E a brancura da neve.

 

Os coelhos ainda correm aflitos

no aeroporto Charles

de Gaulle quando te pensas.

Depois. Depois a guilhotina

que só a senhora morte

sabe do tempo.

 

As geografias me cansam.

Por isso

é que sempre

mudo.

 

Mudo

e me ausento.

 

 

*


Edson Costa Duarte nasceu numa pequena cidade de Minas Gerais, Pratápolis. Estudou Letras na Unicamp, onde também fez dissertação de mestrado sobre a obra de Clarice Lispector. Em 2002, mudou-se para Florianópolis para fazer o doutorado, na UFSC, sobre a poesia de Hilda Hilst. Atualmente faz pós-doutorado sobre a prosa de Hilst, sob a orientação do professor Jorge Coli, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

*

 

retornar <<<

[ ZUNÁI- 2003 - 2008 ]