ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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DILA GALVÃO


         ©Guto Lacaz  

 

 

JAZ

 

Não me interessa

a poesia, nem

que seja essa:

escrita sem

 

nada que a valha;

corta-me — não por

dentro — a navalha,

sem contar a dor —

 

não essa — mas

aquela outra mais

funda que jaz

perene por detrás.

 

*******

 

ESQUIVANÇA

 

Tropeçava primeiro

na escada, depois

em pedras e, por fim,

em palavras.

 

Dizer por si, assim,

de modo esquivo,

não que se esquivasse

propriamente,

 

— porque há certas coisas,

(quase todas, na verdade)

não há muito como

deixá-las fora,

 

deixá-las fora é,

de qualquer modo,

sempre uma esquivança,

e uma esquivança

 

não é algo que

está, propriamente,

fora, ao largo; a

esquivança seria

 

mais exatamente

aquele modo

(esquivo) de pôr

fora o que já é

 

dentro — era esquivar-

-se das metáforas,

tão cedo viessem elas,

que insistiam em

 

dizer por si. Assim

tropeçava ela: primeiro

na escada, depois,

de modo esquivo,

 

em pedras e, por fim,

(não que se esquivasse),

em palavras,

propriamente.

 

********

 

 

PAISAGEM SÚBITA

 

As imagens,

as paisagens

correm

por meus olhos

 — são só lembranças —,

escrevo,

espero os minutos

passarem

pela

pele,

 

(pedaços meus espalhados por todos os lados)

 

 

parada no tempo

de agora há pouco:

meu olhar

no espelho,

longe,

ver súbito

um olhar

assustado

com o que via.

 

 

COISA DE MULHER

  

Menstruação,

tpm,

gravidez

um terço

a menos

no salário

vagina

peito

clitóris

bunda

orgasmos

múltiplos

fingidos

pernas

cruzadas

(mocinhas

bem-comportadas)

 

segredos

contados:

o tamanho do pau

- a mínima diferença -

o  teatro

palavras

baratas

gravatas

caras

coraçõezinhos

brilhantes flutuam

por sobre

a fotografia,

amantes

afogados,

objeto kitsch

pingüim de geladeira

 

A obsessão

dos detalhes

histeria

falação

felação

a última palavra

 

  

COISA DE HOMEM

 

Sêmen

tesão

menos

complicação

desejo

submarino

nave espacial

helicóptero

brinquedo de menino

piada de mulher

 

sexo carnal

espaço sideral

pau duro

- a máxima diferença -

ejaculação precoce

impotência

ereção

o orgasmo que não se finge

complexo de herói

complexo de Édipo

síndrome de castração

pânico

 

neurose

a ignorância

dos detalhes

síntese

indiferença

princípio de realidade

esquecimento

mecânico

previsibilidades

a tampa do vaso levantada.

 

 

*

Dila Galvão é professora de Estética nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Comunicação e História da Arte na Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, São Paulo. Os dois primeiros poemas pertencem a um livro inédito chamado Dúvida Dívida Dádiva e os três últimos a um projeto ainda inacabado chamado Gaveta de Calcinhas.

*

 

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