ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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DORA RIBEIRO




quero falar uma língua nova
principiada na carta do teu
corpo
sem escrita lúcida nem
modos genitivos

quero uma língua
já gasta
gentilizada
versada em todos os
paganismos sórdidos e
elegantes

imagino-a já enciclopédica
ruminante e
devoradora de esperas

língua sem contenção
musa de labirintos


* * *

uma
deliciosa coincidência
de bichos
ocorre quando o meu
corpo esbarra nos cantos
da tua casa
e mancha-se de negro

descubro que max ernst
tinha as mesmas fixações:
falsos animais e o arizona

uma deliciosa lembrança
pinta o teu
hálito de água e limão
e a tua mão no meu joelho
cobre toda a mudez e as
minhas melhores tenções


* * *


o chá na tua boca
é o limite das
dilatadas terras
por onde ando

romaria de todos os
sabores distantes
bálsamo escolhido
na forma de beijo

a água do teu chá
tem cálamo ou talvez
canela
degraus sempre inferiores
ao teu modo de digestão

ô meu baudelaire
nasceste sensual e
exato
um perfeito acidente líquido
como aquele que o eugénio
viu em jerez de la frontera

será o chá o limite?

 

*



Dora Ribeiro nasceu em Campo Grande (MS), mas reside atualmente em Lisboa. Parte de sua obra encontra-se reunida em Bicho do Mato (7 Letras). Os poemas publicados aqui integram o livro inédito A teoria do jardim, a sair pela editora Jakembo Ediziones, em parceria com o FIC (Fundo de
Investimentos Culturais) de Mato Grosso do Sul.

*

 

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