ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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BÁRBARA LIA



CHÁ PARA AS BORBOLETAS


Janela - espelho meu.
Fragrância de almíscar selvagem
me violenta.


Menino com aura violeta.
Jovem com juba desgrenhada.
Velocidade lenta.


Garganta do poço este túnel
cinza, onde trafego dias.


Penso na infância, sombra
dos eucaliptos, recanto secreto


onde eu servia chá às borboletas.

 


SUICIDA


Abismo nô. Correnteza nômade.
Sinistro vento. Lágrima.
Estou sentado na ponte de pedra.


Sopros do antigo resgatam frases.
Tela ilusória refletindo imagens.
Continuo sentado na ponte de pedra.


Domingo. Ponte vazia.
Peixe azul me acena
feito uma nereida - venha!


Ouço a respiração do
caracol.
Me despeço do sol.


E me atiro da ponte de pedra.

 


O CENTAURO NO JARDIM


Sou uma esfinge
leoa-mulher
e amo
um centauro em um jardim.
Morreria por ele.
De herança:
minha pata-leoa.
minha mão escritora.
A mesma que tocou os cabelos
do mitológico ser
e o amou
um amor enjaulado
um amor siderado.
Dói amar um ser
que cavalga em poesia
que grita belezas no silêncio...


A esfinge se cala
e entrega
de mão beijada
o centauro amado
a quem jamais
o amou assim.


(Leitura poética do livro O centauro no jardim, de Moacyr Scliar)

 


ANCORANDO ESTRELAS


Sonhei com Dian Fossey
aquela que vivia entre orangotangos.
Comprarei um peixe dourado


e sorrirei para ele
no café da manhã.
Poetas são marinheiros,


a diferença é que seus portos são estrelas
e nunca ancoram
no meu coração - cais.


Aparição sonhada:
Teus olhos negros na soleira.
Seremos dois a sorrir para o peixe dourado.

 

 

TRANSPARÊNCIA


No instante do milagre
segredos descem penhascos,
espelhos, memórias, casas.


Trechos da vida à beira da ruína
todos guardam para si.


Ninguém é transparente feito água Ouro Fino.

 

 

LEQUE DE NUVENS PARA O DEUS DAS ONDAS


O leque de nuvens se reflete
na areia de mármore.
Alento de tarde pagã.


Distante, a carranca do deus das ondas
escureceu o mar.


O coqueiro se eriça.
Cais sobre mim


feito neve nos Alpes.
E a tarde abraça o nosso abraço.

 

 

À MARGEM DO SOL


Cuido que nosso amor não seja astro morto.
Rego a lua, aro estrelas, fumaça ao redor.
Camisola de pérolas, pés descalços,
Pergaminhos perfumados
recebem a escritura de anjos invisíveis:

"A poeta ara estrelas com mãos aladas,
rega a lua com brisa perfumada.
Cuida que a lua seja girassol
estrelas floresçam em rosas azuis.

Colore vulcões extintos - vasos de luz.
Prepara frutos para o banquete à margem do sol.
Nua, solar, à espera da tarde antiga
(dois poetas, o poente, rosas azuis).

 

 

DEUS NO ORVALHO
(para Jorge Luis Borges)


Jardim perfumado de Istambul.
Sol intolerável beija a rosa azul
no vaso branco, dois cães cor da lua
ao redor.
Teus olhos se perdem na rosa nua.
Olhos da cor do Mar Cáspio na aurora.
Gota de orvalho baila na pétala.
Cristal.
Ponto no espaço - Aleph
descortina o universo.
Sonhos enxertados de sóis, desertos,
aromas, fauna, primaveras, borrascas.
Todo universo na gota clara
que cobre a rosa. A lágrima desce solar ao
lábio carmesim, e o peito arde de amor e luz.

 

*


Bárbara Lia é poeta e professora de História. Participou de antologias poéticas, entre elas Poema Curto, da Fundação Cultural de Curitiba, em 1.998. Recebeu o Prêmio Leminski 2000 - Cead Lapa - PR, e o prêmio Projeto Orpheu - UBE - RJ - 1997 (crônica). Colaborou nos jornais literários Fenestra e Garatuja (RS), Mulheres Emergentes (MG) e Rascunho (PR).

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