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ANDRÉ RICARDO AGUIAR

 


S/ TÍTULO

Rosto que persiste na memória
escada súbita, idéia fixa
de um amor que se dobrou

de joelhos em um homem:
céu de olhos que me fitam
do paraíso móvel da carne

que um deus moldou ante
a vigilância do delírio
ou lírios que transpõem

um algo de bräille em flor
feixe de gestos retidos
da seara de quem ama.

 

SINE QUA NON

Eu, que mal me escuto,
que mal consigo saber quem sou,
que os sonhos me sobram, eu nada sóbrio,
fábula de carne sem moral nem teogonias,
eu, que leio Pessoa nos intervalos
entre o que penso que sou e o que sou
verdadeiramente, (eu)
visto-me de memória, ponho uns réquiens
na saída e ensaio um fim,
quase um Sísifo a mover
a pedra de mim.


LEITURA ÓTICA DO LEITOR

Ao livro que o lê,
olho ou pátio
(à sua escolha)
o instante é uma escotilha,
o presente o mirante.
De relance,
qualquer realidade
é um folhear
inquietante.
Todo autor é
absurdo deus
ante a pétala brusca
ou a pátina de si.
O mais é o excesso
de leitor, leituras
que o real, às tantas
páginas, sempre
e nunca procura.

 

ODE AO CAFÉ

A xícara sobre
vive no por

do sol negro
e fumegante.
Lentamente

de um lago
germina
flor metálica
que colho
do pólen
dos dedos,

(às voltas
com as margens
de porcelana
chinesa)

que a gira
faz um tempo

coando em mim

uma espera
de gole

profundo
do café.

 

O CICLISTA


à flor veloz
colhe o tempo
(pedal)
pé ante perigo
no risco de dar consigo

centauro de rodas e aros,
meio homem, meio
de transporte

a pena da bicicleta
escreve ruas
até que uma esquina
engatilha o ciclista
e dispara -

a pólvora do instante
o ciclo da vida

tudo pássaro
e passageiro.


*

André Ricardo Aguiar nasceu em Itabaiana (PB) mas atualmente mora em João Pessoa (PB). Publicou dois livros de poemas: A Flor em Construção (1992) e Alvenaria (1997), além do livro infantil O Rato que Roeu o Rei (2000).

*

 

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