ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

ADRIANA VERSIANI

 

Então, tomou-me pela cintura e manteve-me suspensa, por alguns segundos, na linha dos seus
olhos azuis.
Nossas pálpebras tremeram em suave sintonia e seu olhar pousou sobre os meus lábios que
formigavam.

 


Pela linha da cintura, ignorando o degrau da escada, posou-me suavemente no chão.

 

Era mais forte que eu.

 

A princípio enxerguei apenas um cavalheiro ajudando-me a descer, mas havia uma tensão na
ponta daqueles dedos que me sustentavam pela linha da cintura.

 

Tensão que subia da linha da cintura até os lábios e têmporas e olhos e que nos fazia tremer.

 

Tentei desvencilhar-me, mas

 

Era mais forte que eu.

 

Sucumbimos ao azul, enquanto lacrimejávamos.

 

 

 

 

 

 

 


* * *

Amo-te, homem transparente
Ama um homem transparente
Amava um homem transparente
Posso vê-lo através do espelho
Pode vê-lo através do espelho
Podia vê-lo através do espelho
Teus grandes olhos enxergam-me por dentro
Seus grandes olhos a enxergam por dentro
Seus grandes olhos a enxergavam por dentro
Afagas minha alma e circulas por artérias, veias e paredes úmidas
Afaga sua alma e circula por artérias, veias e paredes úmidas
Afagava sua alma e circulava por artérias, veias e paredes úmidas
Nas horas vagas, no ócio, enquanto te afogas, vigio-te
Nas horas vagas, no ócio, enquanto ele se afoga, ela o vigia
Nas horas vagas, no ócio, enquanto ele se afogava, ela o vigiava

 

Amo-te, homem incandescente
Ama um homem incandescente
Amava um homem incandescente
Que, à noite, com tuas mãos fortes, vens me visitar
Que à noite, com suas mãos fortes a vem visitar
Que à noite, com suas mãos fortes a vinha visitar
És para mim um segredo que não ouço
É para ela um segredo que não ouve
Foi para ela um segredo que não ouvia
Sou para ti segredo que não queres escutar
É para ele segredo que não quer escutar
Foi para ele segredo que não queria escutar
Vasculhas meus cantos escuros, mas não me vês
Vasculha seus cantos escuros, mas não consegue vê-la
Vasculhava seus cantos escuros, mas não conseguia vê-la
Amo-te, homem invisível
Ama um homem invisível
Amava um homem invisível
que me ensinaste   a escuridão de amar
que me ensinaste     a escuridão de amar
que me ensinaste                    a escuridão de amar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Odeio-te, homem transparente
Odeia um homem transparente
Odiava um homem transparente
Posso vê-lo através do espelho
Pode vê-lo através do espelho
Podia vê-lo através do espelho
Teus grandes olhos enxergam-me por dentro
Seus grandes olhos a enxergam por dentro
Seus grandes olhos a enxergavam por dentro
Afagas minha alma e circulas por artérias, veias e paredes úmidas
Afaga sua alma e circula por artérias, veias e paredes úmidas
Afagava sua alma e circulava por artérias, veias e paredes úmidas
Nas horas vagas, no ócio, enquanto te afogas, vigio-te
Nas horas vagas, no ócio, enquanto ele se afoga, ela o vigia
Nas horas vagas, no ócio, enquanto ele se afogava, ela o vigiava

 

Odeio-te, homem incandescente
Odeia um homem incandescente
Odiava um homem incandescente
Que, à noite, com tuas mãos fortes, vens me visitar
Que à noite, com suas mãos fortes a vem visitar
Que à noite, com suas mãos fortes a vinha visitar
És para mim um segredo que não ouço
É para ela um segredo que não ouve
Foi para ela um segredo que não ouvia
Sou para ti segredo que não queres escutar
É para ele segredo que não quer escutar
Foi para ele segredo que não queria escutar
Vasculhas meus cantos escuros, mas não me vês
Vasculha seus cantos escuros, mas não consegue vê-la
Vasculhava seus cantos escuros, mas não conseguia vê-la
Odeio-te, homem invisível
Odeia um homem invisível
Odiava um homem invisível
que me ensinaste   a escuridão de amar
que me ensinaste     a escuridão de amar
que me ensinaste                    a escuridão de amar

 

 * * *

 

 

 

 

 

 

 

Sua letra tocaia no beco escuro.
Caligrafia armada mistura todas as palavras.

 

No início, havia um jeito certo de fazer a emulsão delas e quando aspirava eram vôos leves, e
quando pousava havia chão. 

 

Então a sua letra, caligrafia armada, abriu o livro ancestral e descobriu a mistura mágica.

 

Buscou-me a escuridão do espaço e extirpou-me toda razão.

 

Como nas bruxas, primeiro tomou-me a pélvis para depois entorpecer o resto.
Você a roubou delas e sua letra ficou condenada ao eterno beco da palavra.

 

Escreva-me.

 

 

* * *

Diário esquecido na estante,
tudo transtornado.

 

Não preciso de nada.

 

Penso você enquanto olhos.

 

Presença no silêncio sagrado.

 

Prevejo perigo no meio da rua.

 

Num reflexo de busca, como um bebê,
inclino-me e sugo.

 

* * *

 

Sabe aquele pontinho?
Esse de pelos grisalhos encaracolados?
Ali, periférico, dentro da circunferência?

 

Primeiro foi caramujo e, com o tempo, pontinho.
Quase invisível canta baixinho, em meio ao turbilhão da circunferência.

 

Dói tudo quando se desloca, mas ninguém sabe o que é.

 

Sabe, era caramujo que virou pontinho e que hoje vive na periferia da circunferência.

 

Vê?

 

 

* 

Adriana Versiani (Ouro Preto - MG, 1963). Tem três livros de poemas publicados, dentre eles, A Física dos Beatles (2005). Integrou o Grupo Dazibao, de Divinópolis/Belo Horizonte. Foi co-organizadora da Coleção Poesia Orbital e do Jornal Inferno. Faz parte do conselho editorial da Revista de Literatura Ato.

*

 

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