ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 ANA LUISA KAMINSKI



Foto: Flor Garduño

  

Atualmente, quando imagens de corpos nus circulam pela mídia, são expostas ou veiculadas por diversos meios e com vários fins, parece surpreendente que, ainda, existam pessoas que se sintam perturbadas diante da nudez humana, a ponto de existir ou persistir uma “censura” que resulta em episódios como os que têm acontecido na rede Facebook. Mais intrigante e absurdo é quando esta censura acontece em relação a obras de arte reconhecidas e conceituadas que até poderiam causar algum espanto na época em que foram produzidas, séculos atrás. Mas não hoje! Será que a exposição e contemplação de um corpo despido nos colocam diante de outro tipo de nudez, mais sutil, mais simbólica, invisível, talvez diante daquele vazio ou da vulnerabilidade tão difícil de enfrentar e aceitar? A nudez de um corpo talvez atraia e assuste pelo próprio confronto com o Real, o inominável, aquele que nos lembra que somos mortais, frágeis e incompletos. Mas, também, pode ser provocativa, instigante, por nos fazer pensar não apenas sobre a mortalidade do corpo, mas sobre o que somos e sentimos, aquém e além do corpo, com o corpo ou apesar do corpo.

A censura em relação aos corpos despidos (sejam estes pintados, desenhados, fotografados, filmados, cantados) não é desejável, desculpável, tampouco aceitável, apesar do mal-estar que algumas imagens possam provocar nos sujeitos mais recalcados. Se, de fato, a nudez dos corpos continua causando constrangimento, inibição, repulsa ou vergonha em parte da espécie humana, melhor nos perguntarmos por que alguém se sente tão ameaçado ou perturbado diante de imagens artísticas que mostram o corpo nu, de imagens poéticas e às vezes eróticas que podem despertar encantamento e desejo naqueles sujeitos que não se apavoram diante da própria incompletude, a mesma incompletude que é fonte de inquietação e nos leva a buscar prazer nos encontros com o outro. Que artistas, poetas, intelectuais e todos os sujeitos sensíveis e pensantes ousem mostrar, contemplar, pintar, cantar a nudez dos corpos, em sua feiúra ou beleza, em sua força e fragilidade, em seu vigor e plenitude - ou mesmo vislumbrando alguma fresta para o vazio. Que continuemos desfrutando desta ambivalência inerente à Poiesis, também contida, tantas vezes, na visão dos corpos nus, entre a fascinação e horror.

 

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Ana Luisa Kaminski (Florianópolis – SC) é pintora e psicanalista.

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