ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

A VERDADE DO TEMPO REVERSÍVEL

 

 

Raúl Antelo

 

 

A poética etnológica e o baixo materialismo

 

 

Osvaldo Lamborghini sustentava que “nestes pobres momentos de pobres tentativas, de tanta poesia baixamente etnográfica”, com tantos “carriegos órfãos da leitura de Borges”, Arturo Carrera estava elaborando “uma poética etnológica”, que propunha, sem dúvida, um excesso, o de “devolver ao trabalho poético seu caráter de modelo sobredeterminante das demais funções da linguagem” 1, para inscrevê-lo no terreno do mais puro materialismo. Se esta poética etnológica não tem uma história, tem sim, ao menos, uma arqueologia bastante precisa que podemos pontuar aqui.

          

Podemos remontar a Alfred Métraux, especialista em antropofagia tupinambá e diretor do Instituto de Etnografia da Universidade de Tucumán, que registrava em seu diário de 1931, ao atravessar o altiplano boliviano, algo interessante: somente em Chipaya chegou a compreender a íntima coesão econômica que vincula toda a humanidade, irreversivelmente inscrita em uma esfera mundial unitária. Mesmo nessa recôndita paragem, a crise de superprodução de 1930 havia afetado também, e de modo tão profundo, esses índios paupérrimos, isolados do mundo e quase perdidos em seu deserto inacessível, aos quais não se podia negar, no entanto, a inclusão em um todo que sem cessar os ignorava.

 

Com efeito, apesar da crise, os lamentáveis Uro-Chipayas haviam conseguido manter suas festas rituais, sua ordem simbólica, que depois, em um ensaio de 1935, o mesmo Métraux associaria às estratégias econômicas do potlatch ou dom. No escambo e na dívida criadora de vínculo, Métraux reconhecia, junto com seu amigo Bataille, um poder de singularização, um modo de participação e, antecipando os argumentos de Derrida, até mesmo um pensamento do ser que é, na verdade, um pensamento sobre o tempo. A partir destas concepções, Métraux ficava em condições de dar um passo além e interpretar um enigma pertinaz em seu livro posterior, dedicado à ilha de Páscoa. Depara-se ali com essas misteriosas inscrições em tábuas de madeira, esses signos falantes chamados kohau rongorongo, que durante longos anos intrigaram viajantes e etnógrafos, concluindo que não se tratava de uma autêntica escritura – o umbral da história – senão de simples fórmulas mnemotécnicas que só mais tarde adquiriram valor sagrado 2.

 

Na realidade, Métraux chegava a essa conclusão porque, à maneira mimológica de Mallarmé ou Valéry, lia as tais inscrições a partir de uma bem precisa concepção da linguagem, a de um “puro espaço da ficção”.

 

Como certos poetas atravessados pelo luto e o trauma, Métraux via no esquecimento o ritual de fundação da literatura, como se esta buscasse, através da amnésia, retomar os vínculos com a improvável origem e como se a palavra não dispusesse, a rigor, de nenhuma archè capaz de afiançar seus fundamentos. Se os etnógrafos funcionalistas interpretavam a hipotética escritura das madeiras gravadas como remédio diante do esquecimento, a tese da linguagem como memória, adotada por Métraux, busca, porém, no esquecimento, um remédio contra a falta de fundamento da literatura. Diríamos assim que, na primeira perspectiva, o mito atua para que a perda da origem não seja completamente obliterada e possa ser comemorada como formação de uma literatura em busca, precisamente, de origem. Mas, segundo a concepção mnemônica, o que define a literatura, ao carecer pois de um marco fundacional, é, ao contrário, a infinita oscilação em sua indecidibilidade.

 

Uma das cabeças mais lúcidas da vanguarda do Prata, Xul Solar, com uma aguda (e mallarmeana) compreensão da linguagem, também chegou a  escrever que o mais original e oneroso desse costume, o potlatch, era

 

 

la destrucción de bienes para humillar a la otra parte, la que debía hacer otro tanto, o más, para no quedar en la vergüenza; mientras que, si el huésped ganaba de mano al anfitrión que no podía “retrucar”, era éste el que perdía rango, quedando como descalificado, tal que mejor era desaparecer o a veces suicidarse. Se conservan descripciones de tales fiestas sádicas en que el orgullo de sí y el desprecio y burla hacia los otros se expresan sin ningún pudor, de parte de protagonistas triunfantes; pero no se sabe qué pensaba de ello el pobre vulgo que no podía jactarse de nada.

 

 

Xul não deixou de reparar que, na pugna entre soberbas – no final das contas, a estratégia de toda vanguarda – era comum “regalar cosa de valor, en la poca variedad, aunque bella, que se hacía en casa, y lo más por mujeres”. Não era possível recusar esses presentes, “sin mortal ofensa al seudogeneroso dador”, nem deixar de retribuí-los, com usura desmedida, “sin mortal ofensa al propio prestigio, casi equivalente a excomunión, que tal era el general desprecio con mote de pobre o avaro”. Tudo isto conduzia a um paradoxo que já existia em tempos primordiais — “y debe haberla todavía, después de civilizarse”—como o próprio Xul assinala:

 

 

con estas manifestaciones de rumbosa generosidad, que pugnaba por batir su          propio record, se acompañaba una usura en préstamos (o regalos), de cien por cien, o más, anual, es decir devolviendo el doble de lo recibido, que no era dinero, sino objetos. (En realidad una forma de dinero había: como en muchas otras partes, para transacciones usuales, es decir de poca monta, había conchas univalvas de moluscos marinos) 3.

 

 

A língua que falta em seu lugar

 

Poderíamos dizer, então, que se em comunidades primitivas, como as do nordeste americano (os Haida, Bellakula, Nutka, Kwakiutl... as mesmas culturas que influem na obra de Barnett Newman ou Jackson Pollock) ou entre os Chipayas bolivianos ou ainda em Páscoa, a origem da palavra não constitui em si um problema, isto se deve a que a linguagem circula ali como um fato de língua, da qual cada enunciado é apenas um elo do dom. A língua da literatura, em troca, falta em seu lugar: rien n´aura eu lieu que le lieu. No entanto, com relação à linguagem, o poeta moderno encontra-se na situação aporética de ter que pronunciar uma palavra, sustentar uma fala, cuja língua lhe é desconhecida ou ausente. Daí deriva um dos mais agudos paradoxos do moderno: ter de conciliar, na obra, sua contemporaneidade, vale dizer, seu pertencimento aos atos de fala do presente e, ao mesmo tempo, sua procedência de remota origem, que a torna inspirada pelo passado da língua 4. Por isso Lamborghini observava que, em Arturo Carrera, o esquecimento do atributo histórico é deliberado, uma vez que sua poesia quebra “a mitomania da sucessão, da origem, do fim e do progresso”, para se deixar marcar pela “verdade do tempo reversível”. Oro5.

 

 

Não é fortuito então que, na atual poesia argentina, Arturo Carrera seja quem melhor ilustre a consciência desse paradoxo poetológico. Autor, entre outros, de Escrito con un nictógrafo (1972), Momento de simetría (1973), Oro (1975), La partera canta (1982), Ciudad del colibrí (1982), Mi padre (1983), Arturo y yo (1984), Animaciones suspendidas (1986), Teoría del cielo (em colaboração com Teresa Arijón), Nacen los otros (1993), La banda oscura de Alejandro (1994), El vespertillo de las Parcas (1997) e Noche y día (2005), Carrera retoma e explicita esse paradoxo em uma conversa com um poeta mais jovem, Ariel Schettini 6, argumentando que

 

 

el poeta hace sus propios gestos fósiles, como el gato que esconde excrementos que no hizo ante congéneres que no tiene y con tierra que no hay. El gesto fósil de las patitas tapando en un lugar incierto. Ese gesto fósil, esa voluntad de tapar o revelar un universo medio desconocido; y por ese movimiento se va produciendo la búsqueda, qué sé yo, de una verdad de la poesía, de la arqueología: su fuerza de anhelo. Su poder de invención. Yo la llamé “animación suspendida”: así se denomina la vida de un pececito del Nilo. Cuando el río se seca, el pez queda en el barro, viviendo de una mínima obtención de oxígeno.

 

 

Numa bolha. Uma prótese de vida. Rien, cette écume... “Nina, Nani, Mimí, Mimí”, os gatos na glicínia, se reproduzem e se desdobram como a mímesis, “essa breve ilusão de eternidade”, “essa perene querela sem lugar” 7. Essa espuma verbal, inversão da ordem natural no coração da própria natureza, exaspera os intercâmbios entre água e ar produzindo um “tremor de céu” (Huidobro), que define a modernidade enquanto organização de uma onda de embates contra as atitudes bem-pensantes e contra categorias tais como forma, conteúdo, imagem, obra ou inclusive arte. Em seus tratados de esferologia, Peter Sloterdijk demonstrou que, assim como a vanguarda e o modernismo agressivo, ao declararem guerra ao convencional, rompem com o respeito às tradições (mesmo quando veja, nos hábitos cotidianos, um esconderijo de inércias antimodernistas que resistem à reconstrução de valores primordiais), a arte emergente está também imbuída de uma excitação pelo novo, que se manifesta em seus modos miméticos do terror, muito análogos à guerra. O artista de vanguarda, chame-se Girondo ou Huidobro, encontra-se assim na encruzilhada de eleger entre tomar a dianteira na qualidade de salvar as diferenças ou posicionar-se como guerreiro da inovação contra a opinião pública. Em vista dessa ambivalência inerente à agressão vanguardista, a poesia dos 80, chame-se neobarroca, pós-moderna ou da sensibilidade, define-se a si mesma como uma reação contra as tendências explícitas e extremistas do terrorismo estético da modernidade. Sua busca de novas redomas ou esferas, sua atenção ao nímio e à dobra, sua coleção de decalques e inscrições são, de fato, produto de intensas cooperações de trabalho humano. Constituem o resultado imaterial e, no entanto, o  mais real de todos, por tornar infra-leve um esforço que só é levado a cabo por meio de ressonâncias. Como resume Sloterdijk, não foi o compartilhamento do trabalho o que estimulou o processo de civilização, mas o compartilhamento de esferas. Esta é a sintonia primordial da sociedade em si mesma e sobre si mesma. Há uma entrevista em que Arturo Carrera nos brinda com um eloqüente testemunho a esse respeito. Relembra um poema de Juanele Ortiz em que uma menininha segura seu gato. Relê esse poema de Juanele –“el más querido por mí, y el más desconocido”— e observa que

 

La niña –como el niño Graves mimado por su abuelo –, es sostenida “lealmente” por él, –sí, el gatito –, y asomada a la ventana para contemplar, como el pájaro de las Upanishadas, el esplendor del Vacío. Y, como él, y siendo acaso “su madre”, ella ve y retiene apenas un mundo desconocido, hechizado por la táctil respiración de una escritura. Estatuilla de sonido duradero, de silencios e intervalos tan deliciosamente indiferentes como gemelos, todo allí está hecho de verosímiles anuncios y voces de otros niños y de otros pájaros que bajan por urdimbres de ríos de miniaturas como nilos, dice, que suben y bajan a través de ella, en la detallada felicidad de sostener a un gatito.

Todo lector, y ojitos, y toda mirada, ella, a las pocas líneas ya no es sino un camaleón en una rama pintada, una lagartija invisible en el chapuzón de arena. La aparente disposición de unas sílabas como gorgoteos, como susurros de síes y noes, como microscó-picas téselas de un mosaico cantábile en la sombría precisión con que la lengua de Juanele acaricia a ese animalito cada vez más pegado a ella. Pues tiene razón Freud: “el encanto de un niño reposa en gran medida sobre el hecho de que se basta a sí mismo, sobre su inaccesibilidad. Lo mismo sucede con el encanto de ciertos animales que parecen no preocuparse de nosotros, como los gatos...” 8

 

 

Por isso a estética de Carrera não deixa de situar a experiência da linguagem no que ele mesmo chama de “surpresas” ou “assombros”, que mais tarde se transformam, como uma Gradiva da dicção poética contemporânea, em obstinada busca epistemofílica, idêntica à de Cristina Bayón e Gustavo Politis, ao narrarem as pesquisas no sítio Monte Hermoso I — uma monografia acadêmica publicada na revista Arqueología, de resto, muito similar ao prototexto de Campo nuestro, o caderno “Expedición Quilmes”, de Oliverio Girondo — experiência copiada, agora, pelo escriba Carrera, em epígrafe a sua “Primera laguna”, quer dizer, a primeira diferença, a primeira amnésia, em El vespertillo de las Parcas, “como un habla visible en lo invisible”. Na conversa com Schettini, Carrera nos dá sua versão narrativa dessas experiências:

 

 

La primera, un día que recorría el Museo de Ciencias Naturales de la ciudad de La Plata, cuando veo un sector dedicado a un descubrimiento reciente: una exposición de fotos y la reproducción de un paleoes-cenario en torno a una viejísima laguna cercana al mar. Allí me sorprende la imagen de la huella del pie de un niño y la de su madre cercana, y comprendo, por el informe de los arqueólogos, que esa huella y otras, como demostraban las pruebas radiocarbónicas, tenían más de seis mil años de antigüedad. Habían sido halladas por un estudiante de geología, Rodolfo González, a unos pocos kilómetros del balneario de Monte Hermoso, en la provincia de  Buenos Aires. A este sitio me llevaban todos los veranos durante mi infancia, poco tiempo después de la muerte de mi madre. El otro asombro, menor, si es que hay una tipología de los asombros, fue la lectura de unas páginas en un libro de René Thom, el semio-físico francés, cuando habla del papel que representan esos deditos índices de las mujeres de nuestra infancia. René Thom dice que si no existieran esos señalamientos de un asombro, esos “mira allí”, “acá”, “allá”, etcétera, no existiríamos como sujetos pensantes. Seríamos eternamente “niños salvajes”. De modo que empecé la escritura de El vespertillo de las Parcas, así, con la idea de la perduración de toda huella, aun de las más frágiles, como las huellas sobre la arena, al lado del mar. Y después con estas mujeres, que inmediatamente asocié a las parcas de la mitología –las cuales tejen y destejen la vida de los hombres –, dándoles la forma de mis tías, quienes sustituyeron a esa madre desaparecida.

 

 

Por outro lado, em resenha a uma ficção de César Aira, seu gêmeo literário, Arturo Carrera nos diz que toda reprodução, paradoxalmente celibatária, é monstruosa porque dela obtêm-se traduções e amnésias que apelam a uma beleza de indiferença para poder nos devolver o sonho impossível da arte 9. Instalado nesse children´s corner do real, Carrera associa o trabalho do poeta ao do assombro sem voz, pura deixis da linguagem, completamente afastada, então, do pombal disciplinado, e nos propõe em compensação novas derivas cartográficas, como em “Huellas de los niños-kuitca” (2003), uma conferência sua sobre a representação da infância na pintura de Guillermo Kuitca. Ou como em seu pequeno livro El Coco, desse mesmo ano 10.

É que para Carrera pensar acerca da criança, ou melhor, tornar-se criança é

 

 

rechazar al estímulo del que obtenemos algo así como la emoción pura: las pasionales furias de Fourier en métricas series o las lágrimas ignacianas: “Las de este día me parecían mucho, mucho diversas de todas otras pasadas, por venir tan lentas, internas, suaves, sin estrépito o mociones grandes, que parece que venían tanto de dentro, sin saber explicar...”(Loyola, Diario Espiritual) 11.

 

 

Assim como Nietzsche via, na metáfora, o fenômeno originário da linguagem, do que era imperioso se desfazer porque só através do esque-cimento de seu variado mundo primitivo, só através da crença inabalável na singularidade, aqui, agora, deste objeto, o homem esquece, enquanto sujeito,  de sua determinação e pode aspirar a um certo repouso, assim também Carrera se depara com o enigma, que outra coisa não é senão a reunião de coisas impossíveis. Nesse sentido, Agamben nos confirma que a definição aristotélica de enigma como medida comum dos impossíveis (Û˘Ó¿„È Ù¿ ¿‰‡˘·  Ù·)  não é uma relação de manifestação entre significante e significado mas um hiato, uma bolha  de sentido, uma presença lacunar.

 

Un niño es un modo de ver lo imposible. Así veía a los niños, sobre todo a las niñas, Lewis Carroll. Los niños son una locura, son un modo de ver y entrar en lo misterioso del mundo. Y están emparentados con los gatos, con los felinos en general por esa reticencia, esa imposibilidad de acceder a ellos direc-tamente. Son la imposibilidad misma, la  interrupción, la belleza, el juego de lo fragmentario. La cosa discontinua del afecto, la maquinilla de luz estroboscópica del amor: no devuelven menos que un beso o más que un enjambre de besos: el beso y la cachetada loca al mismo tiempo. Te tiran el pelo, te hablan, con una ternura infinita. Reyes del oxímoron. La idea de haberme quedado en la infancia me permite explorar el universo poético. Pero yo creo que la   tematización de la infancia puede llegar a confundir. A veces la gente me dice: “Amás a los niños”. No sé. Pero desde un punto de vista poético, todo se estructura en los pequeños límites de un poema, en el que los ecos de una palabra resuenan en otra, como un pequeño reloj, o si se quiere, como en un cuadro. Trato entonces de volver, diezmar o colonizar períodos de la infancia que he fabricado, como todos fabricamos nuestro propio tratado de las sensaciones.  El campo me sirve para hacer esta especie de epopeya o viaje sentimental.

 

 

Em um de seus últimos livros, um tratado das sensações, a poesia é apresentada como um substituto ético pós-funcional 12. E mais adiante, em “Dinero-eco”, poema de Potlatch, lemos: “Buscó imprimir en el dinero / la sensación, / su resumen de enigma”. A sensação vem pois a ocupar a vacância de sistema do belo, uma vez que “ningún poeta utiliza el sistema poético como algo para comunicar. La poesía no comunica nada más que un alerta: el poeta es la antena de la raza, dijo Pound. Pensándolo bien, me gustaría decir, es la antena del planeta”.  Sua consideração lê, em conseqüência, o vazio de universo. Não em vão, Carrera admite ter iniciado sua poesia com a escuridão —“escribí con blanco en páginas negras, en el cielo nocturno”— para depois chegar ao campo e entrar em Pringles, sua cidade natal, que como diz Delfina Muschietti, é um “cosmos microscópico, estrela ou farol como o Combray de Proust ou a Casarsa de Pasolini”, mas que o próprio Carrera vê como ”una pequeña ciudad que cabe en una lata de sardinas vacía”, quase um ready-made do universo 13.

 

 

Dom, ouro: dinheiro

 

Dessa descida infernal cotidiana retiramos uma teoria do poeta na cidade, quer dizer, uma teoria do poeta na circulação contemporânea de valores, porque para Arturo Carrera o urbano consiste na passagem ao dinheiro. Insinua-o seu anagramático livro de 1975, Oro, onde a verdade do tempo rever-sível – como o significante oro, esse mero luxo do olho — abre-se com uma teoria do sublime compactada em uma citação do Inca Garcilaso 14. Explicita-o mais adiante o prólogo ao Tratado de las sensaciones(2001), quando admite “buscar en las economías del parentesco, en la línea de los varones de la familia, la ilusión de una hipótesis exhaustiva: la sensación como sentido de los afectos”, perguntando-se na seqüência,

à maneira spinozista de Deleuze,

 

¿Qué son acaso los afectos sino el fluir continuo invisible, cortado por la sección del amor, los juegos, las muertes y hasta por el libre albedrío de figuras de sensación-destino? Pero cada poema es también un “problema afectivo”. Es inseparable de las metamorfosis, de las generaciones y filiaciones. Intenta incluso superar o conjurar cada obstáculo afectivo. Padres, hijos, abuelos, tíos, primos, etc., son mi prole de extensión y continuo problemático similar quizás a la prole de madres, abuelas, tías en El vespertillo de las parcas. Pero el poema estratifica para medir. El poema mide para ocupar la lisura de la poesía (que ocupa el espacio y el tiempo sin medirlos) 15.

 

 

Por isso Carrera se questiona se é possível ler ou viver na desmesura da sensação, sem limitá-la ao murmúrio de um poema secreto que conservasse a hibridez do monstro 16. Sabe que a transferência metafórica não se dá, com efeito, entre o próprio e o impróprio, mas como deslocamento da estrutura metafísica do significado. Da mútua exclusão entre significante e significado deriva então a diferença original sobre a qual, em última instância, está assentado o sentido. Na entrevista concedida a Schettini, Carrera já aludia à sensação de desmesura que supõe a ruptura (ou rotura, mero anagrama de Arturo, um significante em rotação). Tal como a dupla moeda de ouro. Tal como a máquina de chocolate de Duchamp 17 (porque cada artista solteiro faz seu próprio chocolate).

 

 

En la naturaleza, en el eco del sentido, no necesitamos dinero. En la urbe, sí. En Roma antigua se decía: “Cuando en los baños alguien no tiene el dinero para pagarse al masajista, se hace el masaje por sí mismo, frotándose la piel en la pared de las termas”. Esto es lo inmemorial del dinero; no basta con que podamos hacer trueque, también pone en juego nuestra compañía o nuestra soledad. Por eso digo: voy hacia el spleen, la catástrofe poética, el final, la necesidad del dinero, la incompletud. ¿Pero qué fin tendrá todo eso? ¿Próspero o adverso? Ciudad y campo son entonces dos percepciones, dos experiencias sensoriales opuestas.

 

 

Para confirmá-lo, recorda então um ensaio da poeta bolonhesa Cristina Campo, “In medio Coeli”18, nome que designa também a última parte  de El vespertillo... Grande admiradora de Simone Weill, Cristina Campo observou que viver no campo,  à diferença da cidade, supunha ter uma idéia diferente dos limites, porque o terreno permitia ver um horizonte longínquo, a leitura da chegada e da partida do sol, as nuvens, o pasto que se interpõe ao passo, o rumor de certos sons muito primordiais.    E Arturo evoca então a anotação da autora de que

 

un día paseando por el campo, vio que los niños experimentaban una gran alegria al ser puestos cerca del terreno. Evidentemente, los niños recordaban un sentido primero, el contacto con la tierra mojada. De modo tal que hay una percepción diferente. La infancia del niño citadino es más cautiva, aunque un chico frente a una pantalla de televisión pueda ver un paisaje. Los espacios arenosos a los bordes del mar son para mi el espacio poético por excelencia, porque están ligados al fracaso.

 

Campo e, em seu rastro, Carrera partem da terra molhada, do limo, como lodo das margens do rio, para propor-nos o limes, que na realidade é um caminho entre dois campos, uma linha demarcatória do limite. Uma delimitação. Mas cabe aqui discriminar. O limes (limite) é o contorno que circunda uma forma, o que nos remete ao debate idealista em torno às normas. O limen (ou umbral) é, em troca, a passagem, uma instância que não é conclusiva e inquestionável mas penúltima, já que nos obriga a reabrir a série, estimulando, de fato, não mais a linha evolutiva ou sucessiva e sim a espiral recorrente. O limen nos permite, em conseqüência, abandonar a cronologia e aspirar ao anacronismo, à verdade do tempo reversível. Como assinala Jorge Panesi, sob a forma de pisadas imemoriais e arqueológicas, Carrera descobre a cifra da perdurabilidade.

 

Las huellas son un extremo de la memória o la posibilidad de la memoria misma. Nada más familiar que unas huellas humanas milenarias, porque nos escriben, nos mandan señales de un antiguo paseo de niños y mujeres alrededor de una laguna. (...) De las lagunas solemos decir, amparándonos en la metáfora coloquial, que son accidentes de la memoria, tropiezo de inconscientes. Carrera afirma en cambio la unión que potencian las lagunas, como partes constitutivas de la memoria que ligan, juntan, trazan un  círculo que, como la escritura o las huellas milenarias, mantiene junto lo destinado a separarse. El lugar de la poesía es un borde lacunar, al que podemos llamar como queramos, pero sin olvidar su lugar de extremidad, una extremidad que une o liga a través de los bordes: naturaleza, inconsciente, olvido, blanco, laguna, silencio. Desde ese lugar errático de imposibilidad, se empecinan en hablar todos los bordes posibles.

 

 

Não apenas porque o sentido aparece com a intensidade do desastre, quer dizer, aquilo que vai se apagar ou está a ponto de desaparecer, mas porque o devir criança aponta para algo mais, não tanto um corpo sem órgãos, mas uma meditação, uma atopia onde o pensamento amoroso funciona, alternativamente, como continuum e como distância vital, justamente por isto, Carrera explicita esse enfoque circular da estética nas páginas iniciais de Potlatch (2004), quando confessa que, para além       das filiações perseguidas em outros livros, como Mi padre o Arturo y yo, faltava agora encontrar

 

 

esa amalgama de representaciones que une, liga los órdenes que simulan la gran indiferencia de la infancia. Y ese pega-pega es el dinero. Y sobre todo ese aparente apagón de sentido: el dinero en la infancia. Cuando no sabíamos lo que era –cuando era sólo el eco de un valor que pudo llamarse música. Y cuando no se había esclerosado bajo ninguna denominación donde juntos, la palabra y el dinero, son forzamientos, “inequidades metafóricas”.

 

Más allás de la dádiva, entonces, del presente o regalo; más allá de los bienes  naturales o sobrenaturales que tenemos respecto a un Dios y más allá de la simple gracia o habilidad que aceptamos para hacer algo, ¿qué es un “don” –ahora –si no el restablecimiento de su propio enigma, de su no definición, del consentimiento de una voluntad de entrega y de intercâmbios a veces ruin y casi siempre imposible en relación a objetos que se truecan, que se dan, que se prestan, que se pierden, que se fingen como entregados, desaparecidos o consumidos en un flujo espiritual desgarrador y decisivo entre donatarios y donadores?

 

En el ir y venir de objetos, de dones y contradones que sólo en apariencia se guardan o se pierden, ¿qué lugar le asignaríamos a ese dinero en relación con la poesía como don? ¿Es todavía la poesía, como lo insinuó George Bataille, un sinónimo de consumo, dado que significa de la manera más precisa: “creación por medio de la pérdida?” ¿Su sentido se acerca al sacrificio y a la noción de cosa sagrada precisamente por ese gasto inevitable?

 

 

Porém Bataille, como nos lembra o próprio Arturo, aproximou o dom à despesa, ao potlatch, e definiu-o como algo estreitamente vinculado ao pensamento, ainda que a contradição do potlatch não se revele unicamente pelo pensamento — diz Bataille e repete Arturo — porque, no sacrifício ou no potlatch, na ação (a história) ou na contemplação (o pensamento), o que buscamos sempre é aquela sombra que chamamos inutilmente de poesia, profundidade ou paixão. É preciso lembrar,  no entanto, que o significante despesa (dépense) pressupõe o pensamento (pensée), não como positividade mas como sua declinação ou dispensa. Por isso, o potlatch, além de despesa e “destruição produtiva”, além de “liberação do caminho”, também é, para Carrera, “ese oro de la duración y ese oro de la no intención, ese oro que sube del dolor y ese oro que sucumbe al dolor. Ese oro del viento en las ramas y ese oro lleno de materia de los poetas del pasado; el oro de no durar, de no tener, de no saber, de hacer el signo con absoluta humildad. Aunque el tiempo imprevisible de los niños también haya sido oro”. Ouro, justamente, é o título da primeira parte de Potlatch, onde o poeta é um escriba que lê e relê, escreve e reescreve as primeiras letras (“oro perro ahorro”) e os mitos primeiros – a Nova Argentina, as crianças como únicos privilegiados, a Caixa Nacional de Poupança Postal (Caja Nacional de Ahorro Postal) dos anos 50...

 

 

Tons, ritmos

 

Carrera provoca, assim, curiosos encontros. A página do poema apresenta-se como uma mesa de operações, ou “Moneda viviente”, que precipita o diálogo entre Pierre Klossowski e Macedonio Fernández. Ouçamos Klossowski: “gratuidade é gozar com aquilo que não tem preço / e é gratuito o ato da procriação / e ainda a voluptuosidade ou sensações / prévias ao ato de procriação; / a vida gratuitamente recebida / en si mesma não tem preço / sem a voluptuosidade ela não vale nada /  e a voluptuosidade também não tem preço”. E, ato seguido, ouçamos Macedonio: “¿si no existiera impotencia a dar / tampoco habría aumentación del que da / para no recibir? / Y quien da para no tener que recibir / toma a cada paso / posesión de quien habiendo recibido para ser / no puede dar”.

 

Aquilo que, em outras circunstâncias, pareceria solene ou vazio torna-se, então, em              sua dicção, juvenil ou fluido, estabelecendo inclusive um ritmo, um passo, com outros poetas de seu tempo 19. A recorrência da infância e das Parcas anima, pois, em animada dança, os cânticos e histórias, que saltam de um livro para outro, de um a outro poeta. “Ahorro, derroche, / ¿qué se va de tu boca como palabra y / entra en tus manos como plata, monedas, / oh, / eco de un niño?”, pergunta-nos Carrera em “Sobornable, entregado”. Assim também, o primeiro poema de El vespertillo de             las Parcas, “No fue en Sicilia, no fue aquí”, entoa, como diz Panesi, palavras impossíveis para a sombra, que ganham um sentido ainda mais perturbador na voz de outra poeta. Mais especificamente, no poema “Solideo”, uma das peças de O gueto (2003), de Tamara Kamenszain, em versão de Carlito Azevedo.

 

 

Não é Toledo

nem sequer fica na Espanha

não conheço essa cidade

onde sem caixão

enterraram Buber.

 

para depois repetir

 

caminho agora

pelo bairro das cem portas

— não é Toledo

nem sequer fica na Espanha—

 

e redundar ainda que

 

correm atrás de seu idioma

como baratas de Nova York

— não é Toledo

nem sequer fica na Espanha—

 

até que o fantasma se torna, por fim, impossível

 

desconheço essa cidade

—Espanha não

Nova York muito menos—

 

 

Dizíamos antes que, desdenhado o limite, a instância inconclusa do limen reabre a série dos enunciados e nos permite abandonar a cronologia em benefício do anacronismo, da verdade do tempo reversível. Desenha-se, assim, entre Carrera e Tamara, uma comunidade entre campos que remontam a uma idéia de Fernández Moreno, el Viejo. O poeta que, com seus grilos pampeanos de absurda faculdade mimética, revela a Carrera um “secreto a las violencias de lo invisible / que enfrentan en su placer pasivo lo visible”, é o mesmo Fernández Moreno que, em seu livro Buenos Aires (1941), dizia: “tarda mucho en ser campo el campo hacia el oeste”. Mais tarde, em Campo nuestro, Oliverio Girondo acrescentava, em clave baudelairiana, “ritmo, calma, silencio, lejanía... hasta volverte, campo, melodía”. Melodia secreta que toca, afeta  e inscreve os corpos em filigrana, esse fluxo produz, de fato, estesias renovadas que passam, inesperadamente, por Raúl González Tuñón, este amigo de Brecht e Tzara, que em “Poema del campo de los muertos vivientes” (Primer canto argentino, 1945) fixa a fórmula que, depois, Giorgio Agamben haverá de desenvolver para definir o século. Não é a cidade, mas o campo – o campo de concentração, o estado de exceção – o que marca nosso tempo. Ainda que defensor de uma estética realista muito distante da que agora nos ocupa, González Tuñón, no entanto, glosa nesse texto uma imagem anestética de cine-jornal aliado 20.           

 

Essa idéia de que “tarda mucho en ser campo el campo hacia el oeste”, o campo que olha para o Ocidente, retorna, mais adiante, em uma obra teatral de Griselda Gambaro, El campo (1967). No espaço saturado da representação, a protagonista, Emma, da linhagem da Zunz, evoca remotos concertos de piano, que soam como um deslocado grilo, enquanto constata: “No hay barro, no se ve la tierra, todo pasto verde, césped bien cortado. Usted seguramente pensó en el barro. Vivimos en el campo, pero son otros tiempos”. Quer dizer que, de “No fue en Sicilia, no fue aquí” até “Não é Toledo / nem sequer fica na Espanha”, de Emma a Tamara, o campo é um ritmo, uma distância, um nada. O nada externo-interno ou presente-eterno. O nada em que se constrói a identidade. Um nada que é um ápice e que não significa nada poder mas, ao contrário, busca associar o poder a esse nada que é o caráter não-transcendente e não-fundamental da linguagem. O ápice – a soberania – é, portanto, esta exceção a partir da qual se pode voltar a pensar, ex nihilo, a partir do campo, um mundo e suas fábulas. “En un divino mapa que viaja otra vez / hacia la guerra de Oriente, / hacia otra escollera inmaterial / de indolente paciencia...” (“Cara”, en Potlatch).

 

“El peso global del mundo en la mano del dios / y el contrapeso / la moneda levemente gastada / en la mano de un niño”. Nesse panorama de “Usura”, o novo estado de exceção em que a soma (do ouro) se instala no auge (do poder) realiza,        como ato, o infinito da acumulação, desdenhando fronteiras e histórias locais ou fragmentando as fábulas coletivas, feitas de lugares comuns. Em “Trueque”, Carrera nos pergunta: “¿Qué es lo que no cesa de entregarse / como trueque de aparencias, / haciendo estremecer en cada uno / el indicio de lo real?”. Não é Toledo, nem sequer fica na Espanha, Nova York ainda menos, Pringles já não mais. Assim, no começo do último poema, “Potlatch” — que denomina o conjunto e, com o mesmo gesto, apaga-o, já que resulta impossível unificar o parti-cular e o universal porque nunca haverá, entre ambos, uma relação estável de matéria e forma, de significante e significado – neste último fragmento, pois, Carrera assinala o singular 21.

 

Em seu primeiro livro de ensaios, El texto silencioso (1983), incorporado, desde 2000, a Historias de amor (y otros ensayos sobre poesía) Tamara Kamenszain 22, que não recusaria a noção de autor como gesto, definiu a poesia como o que mais se parece com uma autobiografia da morte. Graças a essa experiência de fantasmática correferencialidade entre voz e autor, o poeta depara-se, diria Girondo, con mi yo en mí, com um yo antropoco solo que, a despeito de ensaiar outras posições, não pode abandonar a primeira pessoa gramatical. E isto tem uma significação inequívoca: a de que não se pode não morrer 23. Escrever em verso, diz Tamara então, supõe sempre escrever em forma de diário: “extremando en cada escansión, en cada suspensión del sentido, en cada parálisis narrativa, lo que se está por terminar”. Daí que Tamara fale de uma lírica terminal que reconhece em poetas que suspendem seu dizer, em cada corte de verso, para tornar a si e dizer-se necessariamente, no confim mais extremo da relação vida-escritura, como seres que sucedem a si mesmos.

 

Imanência do poético

 

A esse respeito, tratando de definir a imanência absoluta do contemporâneo, Giorgio Agamben se detém em um ato quase falido, a emergência de um ladino pasearse na voz de Spinoza 24. Nesse pasearse, sujeito e objeto da ação coincidem. Imanência absoluta. Nenhuma transcendência. Existe ali, simultaneamente, uma marca de atividade e de passividade, de escritura e de leitura, de inscrição e de apagamento. Dupla lançadeira negativa que, como diria Carrera, o trabalho do potlatch não borra, não rouba. Muito pelo contrário: reafirma-o. O que somos? — se pergunta o poeta no “Potlatch del numismático”: “¿Cuántos años hace que no podemos olvidar a Europa? / No importa la marca de la biblioteca / de la que leí”. Desdém que se lê, também, nas palavras de Kamenszain:

 

Restringidos a su condición de lectores, los talmudistas confiaron en la capacidad almacenadora de la memoria, y transmitieron el fruto de sus lecturas en forma oral. Cuando las guerras y la dispersión arrasaron esos almacenes, se decidieron a convertirse en escritores anónimos. Sin embargo, apoyados literalmente en otro texto, no accedieron jamás al nivel de la autoría. La primera firma en la que se define una escritura judía proveniente del Talmud es, justamente, la de Spinoza. Pecador por excelencia, saltó el círculo de tiza para acceder, a través de su nombre, a la universalidad. Del mismo modo, tentarse a poner sus disquisiciones por escrito podría haber llevado a los talmudistas a otra tentación más grande: la de firmar. Quizás no fue por alejarse de esa “verdad” bíblica que se acusó a Spinoza de herejía (acercarse y      alejarse de esa verdad era un peligroso juego que los talmudistas –escritores al           fin –no desconocieron). Spinoza comió otra manzana prohibida: la del goce de firmar. Firma, universalidad, traducción: Spinoza, por fin, volvió traducibles Las Escrituras. Como esos artesanos silenciosos que tamizaron la materia de su lengua para que otros la volvieran universal, los talmudistas ya prefiguraron la aparición de Spinoza. Transmisión oral, escritura anónima, firma, traducción: cadena que, sin ser progresiva, convive en ese claroscuro que es la tradición escrita. Si los talmudistas o los poetas silenciosos trabajaron en el ala oscura de la casa, negándose a transparentar, Spinoza aclaró Las Escrituras. Así devino filósofo y fundó –como Borges para la literatura argentina –la universalidad. Refinada por un trabajo anónimo, aquella materia gramatical puede ahora salirse del gueto y viajar más allá de los límites de su propia lengua. De la mano de una firma –Jorge Luis Borges–hará también el camino de vuelta y acercará, al claro de la casa, el irresistible gusto por lo ajeno 25.

 

 

Em seu último livro, Solos y solas (2005), Tamara Kamenszain retoma, em uma sorte de recolhimento rapsódico, na terceira parte do volume as vozes que foi desenvolvendo ao longo do livro. Está tudo ali, em um único poema, “La alianza”,             de inocultável eco político (assim se chamou o bloco progressista que governou a Argentina antes de estourar a crise). Tão indecidível quanto este pacto comunitário, é a união de dois, diferida ou esquiva, que não deixa, contudo, de remeter ao potlatch de um ciclo recorrente. Diz enfim o poema de Tamara:

 

Me quedé con la alianza de mi padre

en terapia intensiva se la sacó la enfermera

era un edema el dedo de la diálisis

la retuvieron con esfuerzo las falanges en

crecimiento de mi hijo

hasta que resbaló y yo pude mirar

a través de ese círculo privilegiado

 

¿qué veo cuando veo algo en el nombre

                                                               [del oro?

una esperanza desplegada en otro tiempo

toldo de dos que se apropiaron del desierto

dibujaron un techo nuevo sobre nada

 

E essa união primordial, que “son mis padres se casaron para tenerme”, gera apenas uma certeza, a do artista celibatário,

 

y yo aquí me tengo entre los solos y solas

anillos de fantasía solitarios baratos

que en los salones relucen como oro

para que no me  roben salgo corriendo

me meto de cabeza por la boca del subte

fecha tras fecha las puertas se clausuran

tras nacimientos tras bodas tras muertes

atrás atrás

por alianzas imposibles y a contramano de

los aniversarios

el tiempo de la familia conmigo se aleja 

y lo que resta todavía de infancia

en el entretiempo de la literatura se pone

cerca 26

 

Tudo isto por uma razão muito simples. Tão somente porque esta aliança enuncia a voz de solos y solas, a verdade do tempo reversível.

 

 

Notas:

 

1 LAMBORGHINI, Osvaldo – Contracapa de CARRERA, Arturo – Oro. Buenos Aires, Sudamericana, 1975. Lamborghini, como aponta Tamara Kamenszain,  não acreditava na liberdade (ao menos, a do humanismo) e isso o transformou num “maldito”, quer dizer, um anti-moderno. Mas não devemos nos confundir, alerta Tamara, porque Lamborghini não entendia a língua “como aquel archivo clausurado que endiosaron sin igual teóricos y escritores de los setenta. Para que no queden dudas, él apela al oxímoron de un archivo que no cesa donde escribir ya no tiene nada que ver con la estética. Nada, entonces, de mistificaciones textualistas, ninguna reflexión sobre la escritura a lo Octavio Paz (los que escriben la escritura). Nada, tampoco, de avatares propios del sujeto de la enunciación” senão a suspeita, como nos últimos poemas barcelonenses, de que, “en el exilio, para poder rajarse de la cruz, hay que rajar reja y raya a fuerza de rima”. Cf. KAMENSZAIN, Tamara – “La cárcel del lenguaje” in Radarlibros, Página 12, Buenos Aires, 6 jun 2004.

 

2 MÉTRAUX, Alfred – “Un mundo perdido: la tribu de los chipayas de Carangas”, Sur, nº 3, inverno 1931, p.98-131; IDEM – “Arribo a la isla de Páscua”. Sur, nº 84, set. 1941, p.39-52 e IDEM - La isla de Páscua. Trad. Emili Olcina. Barcelona, Laertes, 1995, p.184-200.

 

3 SOLAR, Xul – “Una vieja forma paranoica de publicidad, el potlatch” in Publicidad Argentina, a. 2, nº 11, Buenos Aires, out. 1958, p. 34-6. Recordemos que esta reflexão entronca com a melhor tradição de vanguarda. O ensaio de Borges sobre “O idioma infinito”, dedicado a Xul, sai na revista Proa em 1925 e são pouco posteriores as reflexões de Salvador Dali a respeito do método paranóico-crítico, que por sua vez sustentam a releitura lacaniana de Freud, isto é, a instância da letra.

 

4  Em um ensaio sobre o exotismo em Segalen, Agamben observa que a palavra literária é exótica uma vez que ela provém “da un’origine remota; ma per questo stesso motivo (...), la parola letteraria è fatalmente abolita, nel senso etimologico del termine, cioè: venuta di lontano (ab-oleo). Ecco il senso del gioco di oblio  e rammemorazione che Segalen assegna come luogo allo scrittore: come per il mimo, del quale Mallarmé ci dice che agisce “entre la perpétration et son avenir: ici, devançant, là remémorant, au futur, au passé, sous une apparence fausse de présent”, così si può dire che lo scrittore “installe, ainsi, un milieu pur, de fiction”. Cf. AGAMBEN, Giorgio – “L´origine e l´oblio” in MASINI, Ferruccio e SCHIAVONI, Giulio (ed.) – Risalire il Nilo. Mito fiaba allegoria. Palermo, Sellerio, 1974, p.161, recolhido em seu último livro, La potenza del pensiero. Saggi e conferenze. Vicenza, Neri Pozza, 2005, p.191-204.

 

5 Observa César Aira em seu Diario de la hepatitis  (Buenos Aires, bajo la luna nueva, 1993) que “el oro que son Góngora, Racine, Shakespeare, Balzac, se hacen con el barro deleznable de García Márquez, Marguerite Yourcenar, Isabel Allende... Más que eso: Lautréamont se hace con Sábato”, argumento que retoma a tese de Valéry de que o leão não passa de cordeiro digerido.

 

6 Ariel Schettini (1966-  ) é autor de Estados Unidos (Buenos Aires, La Marca, 1994) e La guerra civil (Buenos Aires, Norma, 2000), livro que conclui com o poema “Arguedas y el mito de Inkarri”: “Sólo tengo un mito para contar: / ‘un Dios perplejo, inca, del siglo dieciocho / cuya cabeza fué enterrada profunda / carneada por el otro Dios, católico y tremendo. / Y a partir de ese duelo perdido se reconstruye el inca / bajo la tierra / como un Terminator Dos’”

 

7 Cf. SLOTERDIJK, Peter – Esferas I (Burbujas) y Esferas II (Globos).Trad. Isidoro Reguera. Madrid, Siruela, 2003-4; IDEM – Écumes (Sphères III). Trad.                             O Mannoni. Paris, Maren Sell Éditeurs, 2005.

 

8 CARRERA, Arturo – “La mesa de luz”. Babel, a.1, nº 4, Buenos Aires, set. 1988, p.32.

 

9 Carrera diz, ao analisar El congreso de literatura, que a escrita de Aira seria pois “una traducción especial que me atrevería a llamar la traducción vidente, contraria a la traducción ciega, que  es la que se hace trasponiendo mecánicamente las lenguas, sin pasar por el contenido. La traducción vidente estaria emparentada con las metamorfosis, dado que en ellas hay, como lo sabía el poeta Ovidio, un gesto mítico y meditable, “el gesto soberbio de la propia naturaleza artificial cuando opera el cambio”, “un arte, una estética de indiferencia sutil que parece contornear o subrayar cada acción, cada transformación, con inexplicable olvido: con amnesias”. Por isso o esquecimento, as amnésias, são a matriz da possibilidade da poesia. Ainda que o narrador odeie as neblinas poéticas, trabalha a matéria das infinitas invenções, e o modo não finito da reencarnação. E assim, o conteúdo de cada tradução vidente       praticada por Aira, a cada capítulo, à medida que vamos lendo a novela, torna meditável cada mudança; cada pensamento passa à ação, passa ao sonho impossível da arte. Cf. CARRERA, Arturo – “Fábula y delirio”. Clarín, Buenos Aires, 4 abr. 1999.

 

10 IDEM – El Coco. Ilustrações de Alfredo Prior. Bahia Blanca, 2003. Em “Herir sólo Sebastianes”, um pequeno texto sobre São Sebastião, escrito para uma exposição de fotografias de Sebastián Freire, Carrera observa que a imagem não sustenta nosso pensamento. “Sólo retiene un instante la sonrisa en que crecemos. Nos hace suponer, que al mirar Sebastianes, en su apariencia luminosa somos el mismo sacrificio que hizo el fotógrafo al retratarlos”. Nesse sentido, “la escena fotográfica se transforma en el martirio de la Belleza misma considerada como flecha. La mirada, el cuerpo recibido, lo que Yukio Mishima no podía excluir de la sensación de su Sebastián. El fascinus de la muerte que dice otra vez yo. Vacío…” O que é a flecha de São Sebastião? Carrera, apoiado em Borges, “el búdico Borges”, responde que é “la idea del yo, de todo lo que llevamos clavado”. E acrescenta: “El Buda dice que no debemos perder tiempo en cuestiones inútiles. Por ejemplo: ¿qué es la fotografía? ¿qué es un santo? ¿es finito o infinito el deseo? ¿Qué es la muerte? Todo eso es inútil,            lo importante es que nos arranquemos la flecha que nos clava Sebastián, el fotógrafo. Se trata de un exorcismo. De una obvia ley de salvación”. A imagem é potlatch.

 

11 IDEM – “La mesa de luz”, op. cit., p.32.

 

12 Carrera justifica o uso recorrente da palavra estética porque pensa que todo poeta, a partir de Mallarmé, é um ser profundamente ético. “Cuando Mallarmé decía que el poeta debía devolver más puras las palabras a la tribu, se estaba refiriendo a la responsabilidad de dar al lector la posibilidad sagrada de pensarse con palabras nuevas. Me encanta esa frase que dice que la ética es arremeter contra los límites del lenguaje. ¿Qué otra cosa es la poesía? El poeta (cuando existe) y la poesía (su señorío) no pueden desdeñar las ciencias, sino acicatearlas con su mismo deseo. Aunque no sepa cuál es o qué es el deseo. Todo el asombro está contenido en la poesía. En el origen. Y lo que se llama hoy, con Freud, pulsión epistemofílica, no es más que esa voluntad de ir hacia el origen, hacia la curiosidad por todo”.

 

13 Em um dossier sobre Goytisolo, Carrera diz que San Juan de la Cruz é o          mistério. “La realidad del misterio. Y el misterio es la música. La música                 está sostenida por el misterio. Eso dice V. Yankelevitch al oponer el secreto                  al misterio. Mientras el secreto tiene una decodificación posible—Ravel, su música la tiene—, el misterio, Debussy, es lo indecifrable, lo indecible...” Nesse children´s corner conclui a chamada do desejoso, “el potlatch sin nombre ni realidad del deseo”. Cf “Goytisolo en Buenos Aires”. Babel, a 2, nº13, Buenos Aires, dez. 1989, p. 23.

 

14 O Inca Garcilaso define assim o sublime: “El año de mil quinientos cincuenta y seis, se halló en un resquicio de una mina, de las Callahuaya, una piedra de las que se crían con el metal, de tamaño de la cabeza de un hombre; el color propiamente era color de bofes, y aun la hechura parecía, porque toda ella estaba agujereada de unos agujeros chicos y grandes que la pasaban de un cabo a otro. Por todos ellos asomaban puntas de oro, como si lê hubieran hechado oro derretido por cima: unas puntas salían fuera de la piedra, otras emparejaban con ella, otras quedaban más adentro. Decían los que entendían de minas que si no la sacaran de donde estaba, que por tiempo viniera a convertirse toda la piedra en oro. En el Cozco la miraban los españoles por cosa maravillosa, los indios la llamaban huaca, que, como en otra parte dijimos, entre  muchas significaciones que este nombre tiene, una es decir admirable cosa, digna de admiración por ser linda, como también significa cosa abominable por ser fea; yo la miraba con los unos y con los otros” Cf. CARRERA, Arturo – Oro. op. cit., p.7.

 

15 CARRERA, Arturo – “Prólogo” a Tratado de las sensaciones. Valencia, Pre-textos, 2001, p.7-8

 

16A tarefa do artista contemporâneo é mostrar. Mostrar seu amor por esses artistas que fazem. Como diz Valeriano Bozal, a respeito de Saura em seu El tiempo del estupor, como quer que seja, isto é tudo que há. Lembremos que, recentemente, Arturo Carrera publicou Monstruos. Antología de la joven poesía argentina. (Seleção e prólogo de Arturo Carrera. Apresentação de José Tono Martinez. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica / Instituto de Cooperación Iberoamericana, 2001). Cf ANTELO, Raúl – “La Arturíada” Radarlibros, Página 12, Buenos Aires, 2 dez. 2001. Daniel Link retoma a potencialidade do monstro em Clases. Literatura y disidencia (Buenos Aires, Norma, 2005).

 

17 No epílogo a seu penúltimo livro de poemas, Noche y día (2005), César Aira denomina a poesia de Carrera neodadaísta ou ainda neoinvencionista. Incluindo-se ele próprio nessa descrição, Aira precisa que, quando jovens, ambos perseguiam engenharias visionárias totais, “máquinas solteras de crear efectos sin causas”, ou vice-versa, que os transportassem em saltos descontínuos das soluções imaginárias aos problemas reais e das soluções reais a problemas imaginários. Assim, pondera Aira, “todos los nudos gordianos de la práctica fueron delicadamente abiertos con las tijeras del ensueño”. Cf. AIRA, César – “Epílogo” in CARRERA, Arturo – Noche y día. Buenos Aires, Losada, 2005, p.161.

 

18 In Sur, nº 277, Buenos Aires, jul-ago 1962, p.30-40.

 

19 Delfina Muschietti descreve o olhar de Carrera como o de alguém que aprendeu a cortar e parcelar o fluxo da experiência, fluxo que o poema torna a desdobrar em todo seu cabedal incontrolável, em cada palavra raptada do sonho e apresentada, em semipenumbra, para com ela dispor aos poucos do que se esqueceu, do vivido ou imaginado através do relato bordado e interrompido das avós. Cf  MUSCHIETTI, Delfina – “El vespertillo de las Parcas. Arturo Carrera”,  Magazín literario, nº 6, Buenos Aires, 1997.

 

20 Entre noites e neblinas, à maneira de Truffaut, Tuñón também admite: “Yo los he visto entre cadáveres de hermanos / en los galpones grises que golpearon inviernos, / y veranos y otoños, ¡ay! primaveras tristes. / Es de los vivos, de los que sobreviven, que ahora hablo. / Pero ¿ellos sobreviven? / Sus ojos parecían a un cielo de cuervos infinitos. / Pero ¿veían un cielo? / Sí, una vez lo entrevieron / y después, la mazmorra, el látigo y el hambre. / ¿Y después?.../ ¡Camaradas!  Oíd el grito profundo que sale del silencio / ¡Oíd el grito profundo que sale del silencio / de estos sobrevivientes! / Preguntaréis: ¿No hablas de los muertos? / No, porque no los ví... tan muertos eran. / Tan muertos, tan cadáveres en su ruina profunda. (...) / Dulces muertos, celestes de tanto haber sufrido, / mientras tanto, vosotros, regresáis a la tierra / No a la luz del hogar que tiembla en la ventana / ni al paisaje que visteis en viejos años idos, / pero a la tierra madre donde, sobre vosotros, / crecerán los rosales más puros de los tiempos”.

 

21 “No es creíble ese canto del gallo, / tan nítido ahora, a las 5 A.M. / Ni el ruido del chorrito del aguamanil / en el vaho de las buenas noches / Ni son creíbles la simple apariencia / ni la cargada complejidad, ni / la forma barroca de la flor de la aquilegia, / que te hace anhelar por un instante / la memoria de una Abuela del Mundo; / tanta maravilla no es tanto temor / y ese es también el rostro, /la cara movida en la bruma / y el infinito y secreto valor / hundiéndose poço a poco / en la rebosante luna alcancía...”. E conclui a terceira parte do poema impondo-se “no interceder / esperar / no hablar de la poesía / ignorar / la potencia de su falta / Aquel faunito de von Stuck, apartado, / que caminaba vacilante en la nieve / sangrando, por caer, / ahora parece renacer a las risas / en el poema de la extinción./ Cada palabra que se estropeó / se ovilla en el olvido de su mínima verdad. / Hace del mundo precario / su blanca calera trabajando / aunque es de noche”.

 

22 Tamara Kamenszain publicou De este lado del Mediterráneo (1973), Los No (1977), La casa grande (1986), Vida de living (1991), Tango bar (1998) e El Ghetto (2003).  Como ensaísta, é autora de El Texto silencioso (México, UNAM, 1983), La edad de la poesía (Rosario, Beatriz Viterbo, 1996) e Historias de amor (2000).

 

23 Em um ensaio sobre Enrique Pezzoni como leitor de Vallejo, Kamenszain         afirma que, de perplexidade em perplexidade, Pezzoni persegue “un sujeto que se afirma y se niega”, como naquele verso que Pezzoni gostava de repetir: “hay golpes en la vida tan fuertes... Yo no sé”. Essa máquina argumentativa que avança sobre toda a poesia é confirmação permanente da materialidade. Ao captar nas rupturas de palavras, nas letras soltas, nos jogos tipográficos, os ecos dessa argumentação, diz Tamara que Pezzoni encontra Vallejo dialogando com Mallarmé, “aquel Mallarmé que, reescrito por Paz, espacializaba la página para que Pezzoni enfocara sus preocupaciones hacia el ojo del lector”. Cf. KAMENSZAIN, Tamara – “La lírica y sus voces” Babel, a. 4, nº 22, mar. 1991, p. 26. Antes inclusive deste texto, a própria Tamara, questionando-se sobre a subjetividade poética, perguntava-se quem era esse eu que comia os biscoitos da infância mas agora feitos com a farinha dos ossos da mãe. Cf “La mesa de luz”. Babel a. 2, nº 11, Buenos Aires, set. 1989, p. 32.

 

24 Cf. AGAMBEN, Giorgio – La potenza del pensiero, op. cit., p. 377-404.

 

25 KAMENSZAIN, Tamara – Historias de amor (y otros ensayos sobre poesía). Buenos Aires-Barcelona, Paidós, 2000, p. 216-7

 

26 Cf. KAMENSZAIN, Tamara – “La alianza” in Solos y solas, Buenos Aires, Losada, 2005, p.46.

 

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Raúl Antelo  é doutor em literatura brasileira pela USP e professor titular de literatura na UFSC. Foi professor visitante da Duke University, Yale University, Tinker Foundation e Universiteit Leiden. É autor de María con Marcel. Duchamp en los trópicos (Siglo XXI, 2006), Transgressão e modernidade (UEPG, 2001), Algaravia. Discursos de nação (UFSC, 1998), Na ilha de Marapatá. Mário de Andrade lê os hispanoamericanos (Hucitec/INL, 1986) e Literatura em revista (Ática, 1984), Tempos de Babel – Anacronismo e Destruição (Coleção Móbile, Lumme Editor, 2007), entre outros.

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