ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

DEZFACES: CRIAÇÕES DE MINAS

 

Márcio Almeida

 

 

“Mas, como caipiras informados e marotos que desconfiam da enfatuação sem consistência, dizemos não ao quase já óbvio “Minas é menos”, mas num arredondamento assonântico:”Minas é menas.” E não mais. Não nos interessa a freqüência ou a quantidade, apenas a qualidade. Como disse Heráclito: “um pra mim vale mil, se for o melhor.”

Teodoro Rennó Assunção, “Minas é menas”, Dezfaces nº 9, p. 16.

 

 

O jornal Dezfaces foi criado por Camilo Lara e Marcelo Dolabela mediante projeto aprovado com financiamento da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte/MG, envolvendo a publicação de 10 edições no período de novembro de 2006 a julho de 2007 (*). A partir da edição 2, a publicação incluiu o encarte de 8 livretos alusivos desde “Plâncton”, de Adriana Versiani, “Lúcia Rosas”, personagem criada por Vera Casa Nova e Marcelo Kraiser, “No fear, so desire”, de Álvaro Andrade Garcia, “30 anos: roteiros & pegadas”, de Carlos Augusto Novais,”Antologia Dazibao”,”Experiência”, de Wagner Moreira, “Pharmacia”, de Marcelo Dolabela, e “O som da batida”, de Ana Caetano. O nome Dezfaces originou-se a partir do título do Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade. O jornal “pretende ser esse ´passeio´ por várias vozes da poética belo-horizontina atual, voltado para poetas residentes em Belo Horizonte e/ou poetas que tenham vínculo direto com a cidade”, registra o editorial do número 1. No editorial da edição 7, a vertical amplitude assinada por Rogério Barbosa da Silva: “Este número procura indagar sobre as configurações do cenário contemporâneo do pensar e do fazer literatura a partir de Belo Horizonte, mas cientes de que a emoção e a beleza não têm fronteiras, de que a criação  estende seus tentáculos ao passado, ao futuro, ao espaço sem limites”.

 

Cada edição ficou sob responsabilidade de um grupo/núcleo editorial, do mesmo modo que cada número enfeixou um tema específico. Exemplos: na primeira edição, além de textos poéticos dos editores e colaboradores, Dezfaces trouxe “textos-manifestos coletivos e/ou dos núcleos/grupos editoriais.” Na edição 2 o tema foi amor e ódio; na 3 foi poéticas verbais e não verbais; a 4 reuniu “uma produção poética que guardasse íntima e intensa relação com a vida”, a 5 questiona a práxis de uma poética. A edição 10 incluiu ”avaliações de convidados não-participantes do jornal, uma espécie de ombudsman.”

 

Os redatores de Dezfaces são Adriana Versiani, Álvaro Andrade Garcia, Luciana Tonelli, Ana Caetano, Carlos Augusto Novais, Marcelo Dolabela, Camilo Lara, Rogério Barbosa da Silva e Vera Casa Nova. O projeto gráfico, capa, direção de arte e formatação são de Glória Campos e Clô Paoliello, com tiragem de mil exemplares por edição e distribuição gratuita.

 

Dezfaces insere-se entre o que há de altíssimo nível com diferenciais qualitativos na mídia impressa do país na pós-modernidade. E, quando se é sério, não se faz loa com/por leviandade ou tautologia para júbilo tribal-ufano-bairrista.

 

A publicação assim se justifica por fatores diversos que sói agora esclarecer, pois, acredita-se, o reconhecimento que ora é feito será com certeza um dentre tantos outros lúcidos e honestos que haverão de constituir a fortuna crítica desse projeto.

 

Seus mentores e colaboradores vêm de ser profissionais da Literatura, Filosofia, Semiótica, Informática, artes visuais em geral e da Educação, quase todos professores mestres, professores doutores e pesquisadores na ativa universitária. Essa empatia é consentânea à sinergia de quem faz, ensina e produz com vivência permanente da poesia, na episteme teórica, na prática docente e na convicção de serem leitores.

 

Quase todos procedem de experiências do “coletivo no coletivo” através de publicações de textos produzidas em BH e em outras cidades interioranas mineiras, que sempre buscaram, como alude o editorial da edição 6, “romper as malhas intrincadas de um sistema literário, os bloqueios culturais e as limitações econômicas”, razão de os próprios poetas terem definido “as tarefas relativas à política editorial, a produção gráfica e a divulgação.”

 

 

Uma pedagogia poética para a educação dos sentidos

 

A originalidade do projeto está em duas vertentes do seu planejamento: 1ª) sua abrangência universal a partir da produção em BH; 2ª) a fidelidade à poesia, pièce de resistence que “se afirma como elemento vivo, emblemático.”

 

Dezfaces impõe-se “pela coragem do encontro com o outro, qualquer que seja esse outro contando que potencialize a vida.” E com esse idealismo vai de encontro à proposta de Edward Said em “Humanismo e crítica democrática”: à deterioração do termo humanismo, à fatuidade em que a palavra escrita se converteu, é preciso, analisa Luiz Costa Lima, justificar a poesia como sendo capaz de dizer-se, de ser o “cogito”, pois, desde Vico, “há sempre algo radicalmente incompleto e contestável no conhecimento humano”, que será tomado através do díptico recepção e resistência: “recepção envolve leitura atenta, sensível e inteligente. Resistência ao que a própria leitura inteligente mostre necessário.” E porque “a linguagem é o único meio de contornar a obstrução da linguagem.”

 

A leitura das edições de Dezfaces, na esteira realista de Said, parece dizer a seus receptores: “O lugar provisório do intelectual é o domínio de uma arte exigente, resistente, intransigente, na qual, lamentavelmente, ninguém pode se refugiar, nem buscar soluções.” Acuidade, portanto, aos pensares- dizeres dos autores inclusos na publicação.

 

O jornal-movimento é “contra toda a ancestral culpa que nos imputam todos os fundamentalismos de direitas e esquerdas enrijecidas e [que] invadem nosso centro com máquinas de endurecimento e entulham de compromissos nosso desejo.” E é também, acrescenta Luciana Tonelli no manifesto da edição 1, “contra todos os fascismos entranhados em igrejas usurpadoras de energia vital, prisões do pensamento, fomento de miséria material e simbólica (...), contra o jogo de retóricas vazias e cheias de promessas facilmente desmontáveis por crianças, palhaços e animais movimentando apenas olhos e caudas.”

 

Essa oposição se estabelece também contra a exposição da poesia na vitrine da sociedade do espetáculo com sua “manifestação superficial mais esmagadora”, havia previsto Debord. Como radica ser ainda contra as “estéticas médias, as poesias médias, os talentos médios, as inteligências médias,as bobagens médias”, teorizadas por Edgard Morin em “Cultura de massas no século XX.”

 

A publicação prima-se, ideologicamente, “pela liberdade de escolher contra a razão hipertrofiada do patriarcado (...) [a] intimidar aqueles que se encontram em desvantagem nos territórios do saber legitimado.” Donde afirmar-se “pela poesia que se instala no cotidiano e irriga a existência de invenção e alimenta revoluções (...) e inaugura novos espaços para a existência.” (...) “Pela poesia capaz de realizar a mais alta potência da arte: a reinvenção da vida.” Assim, o conteúdo dos jornais publicados posiciona-se como representante por excelência da não-mercantilização do literário.

 

Conscientes de sua função na leitura de dez faces da vida em si, os poeteóricos do jornal sabem que “a poesia é a peça do mundo que não se perdeu; é a ferida a céu aberto, o furacão visto de perto”, assinala Ana Caetano, uma das mais férteis pensadoras do Dezfaces, a mesma que no poema “Anatomia”, publicado na edição 4, questiona: “Qual a matéria do poema? A fúria do tempo com suas unhas e algemas? Qual a semente do poema? A fornalha da alma com seus divinos dilemas? Qual a paisagem do poema? A selva da língua com suas feras e fonemas? Qual o destino do poema? O poço da página com suas pedras e gemas? Qual o sentido do poema? O sol da semântica com suas sombras pequenas? Qual a pátria do poema? O caos da vida e a vida apenas?”

 

Do mesmo modo que Carlos Augusto Novais, ao ironizar, com putíssima lucidez no manifesto “Poesia que mostra a cara,” os onze lugares para um tipo de poeta e/ou intelectual fin de siècle passado se esconder: “Ao lado de troféus, prêmios e diplomas, nos cadernos de cultura dos grandes jornais, dos editores amigos, nas atas das academias municipalistas de letras, nos chás das academias estaduais de letras, nos fardões dourados da academia brasileira de letras, nos paraísos da redundância, nas festas literárias nacionais e internacionais para todos, nas grandezas do espetáculo, nas críticas de encomenda, nos cantos de página das agendas de brinde, nas antologias escolares oficiais.”

 

Marcelo Dolabela, por sua vez, co-autor do projeto, é um filosoeta a refletir as linhas-mestras do compromisso com a experimentação poética  instaurada sobretudo em Dezfaces:”Precisamos de mais ouvidos e olhos do que tínhamos originalmente. (...) O poeta deve habitar ´mídias auxiliares´ para se alimentar de outras linguagens. (...) Cada texto pede (ou pode se estabelecer – em forma de ´versão´) um suporte justo. (...) A poesia é a realidade máxima, do ponto de vista humano. (...) Todo poeta/todo poema é participante e participativo. O contra-discurso a essa máxima é uma tentativa de exigir que o poeta reconheça o seu lugar no jogo das políticas e seja apenas poeta. (...) Toda grande revolução está ligada, de forma umbilical, a grandes experimentações de linguagem poética. (...) Ao invés de cânones, paideuma. Ao invés do estabelecido, o provisório. Ao invés do ´para sempre´, o ´nunca mais´.” E citando Maiakovski: “Acredite na poesia e viva.”

 

O paideuma dezfaciano seria incompleto sem a reflexão arguta e propensa à heurística produzida por Rogério Barbosa da Silva, que retoma a poesia como (re)invenção permanente mediante a poética de artivistas que oswaldianamente são “bárbaros, pitorescos e crédulos.”

 

Este autor sugere, também em manifesto da edição 1, leitura da poesia face a seus “materiais e seus transcursos na história da literatura”, objetivando “descobrir quais os textos realmente acrescentam algo na grande enxurrada de textos produzidos a cada dia”, uma vez que a poesia é “algo que esclarece.”

 

Com base em Pound, a reflexão impetrada conduz a uma ilação nem sempre perceptível pelos menos avisados, críticos afoitos e reducionistas de plantão: “O gesto emancipação, seja da retórica e dos próprios gêneros literários pré-estabelecidos, seja das determinantes sócio-culturais”, não incide na liberdade de criação como “um fator gratuito para a criação.” Nesse contexto de anti-servilismo, “a poesia dribla o logos, a poetologia, e se inscreve como espaço aberto da criação – a poetografia.”

 

Rogério Barbosa da Silva redimensiona dois platôs poéticos dos pais do concretismo: de Augusto, a certeza de ainda haver espaço para rupturas/releituras de uma “poesia sem placebo/clareza de cristal/dureza de rochedo/sem mídia sem média sem medo/da contração da vida/ ao beco sem saída”; e de Haroldo de Campos, ao verificar na poesia da presentidade a “a-  propriação crítica de uma ´pluralidade de passados.´

 

Donde as edições de Dezfaces publicarem uma diversidade de poetas baseados em BH, ou que o fizeram noutros tempos, heterogêneos, de várias faixas etárias, tendências (anti)estilísticas e generalizantes, com linguagens semântico-linguísticas, analógicas, virtuais, experimentais, em mix. E em cujo conteúdo, eis outro diferencial, agregam-se inteligente reflexão e dialógica sobre poesia/poética.

 

Caso de Júlio Pinto, que na edição 3 faz leitura sobre “ciência, arte, semiótica: inevitável convergência”, apontando aí a mutabilidade calcada na percepção pioneira de Feuerbach, presente na produção dos dezfacianos: “o gosto pelas não-coisas” – “a descrição da experiência contemporânea, que parece catalisar as forças apocalípticas do mundo cognitivo em um vórtice de simulacros sem qualquer sentido a não ser seu próprio valor de face, a julgar pelo que muitas vozes tentam nos fazer crer” – “os mecanismos de produção de sentido e as estratégias de participação na precariedade dos processos comunicativos: a produção de interpretantes dos signos dos interpretantes dos signos” – “mais que deter informações, conhecer é pensar” – “o impacto estésico: um certo inefável, algo de inédito, uma beleza, fim mesmo e não meio, o primado da indeterminação” – “a partir do trânsito pelos caminhos cruzados da tecnologia, da ciência, da filosofia, das artes plásticas, visuais e linguajeiras, podem aflorar propostas, novas compreensões, interfaces, contatos, tangenciamentos, belezas.” E conclusões-participativas de recepção, tiradas por Carlos Falci, na mesma edição, que adubam a dialógica agora e no futuro: “há um ambiente imersivo a ser construído pelo leitor, onde a construção poética se manifesta fisicamente, como fluxo incessante de modificações e recombinações. Cabe ao receptor-participante criar a obra que ele próprio irá experimentar”, uma vez que em mídias digitais “todo surgimento de uma configuração específica é sempre temporário, efêmero e marcado pela instabilidade.”  Texto que corrobora tese da editora do jornal 3, Vera Casa Nova, atenta ao limite no experimental poético: “pensar o que a arte pensa”- “do dátilo ao dígito” – “o visível na escritura e a escritura no visível marcam tensões, coalizões (ou colisões?) de olhares e leituras” – “interessa é a performance. Movimento, visualização, desaparecimento das palavras, com ou sem imagens ou sons.” 

 

A edição 8 trata do tema “marginália – ódio ao pódio”, com editorial de Marcelo Dolabela, que a coloca “como condição primeira, última e única desse in/grato ofício da poesia”, uma vez que “somos, em todas as instâncias, “odiadas Carmen-Mirandas” que recebem “o aplauso da indiferença” pela missão poética de “levar a poesia aos vivos – não aos muito vivos – talvez [como] única tarefa.”  Os poemas inscritos traduzem bem esse clima de estar à margem:é a poesia “michêmeretriz” de Adriana Versiani, “cinderela da calçada – poeta da sarjeta – semolhossempernassemletra – no guardanapo do maleta”; ou o personagem bukosvskiano de Tábata Morelo: “eu escrevo tudo que esporro – eu sempre esporro tudo que posso”; ou o marginal “crime sem castigo” de Mateus de Souza, “aquele que a lei protege” – o “crime de colarinho branco” – “que vota por aumento do próprio salário” – “de fala rebuscada a um povo sem glossário”; ou a viagem que Vera Casa Nova faz nas “margens”, que, “como Rimbaud – é “um barco às avessas – (...) imersa nesse mar poluído de merda”, a descobrir, porém, “entre os versos que li navegando – a lembrança da ternura do poeta marginal.”

 

A “vida em sua insistência”, aludida por Luciana Tonelli no poema “Nosso lugar,” na edição 4,  ratifica-se na edição 9 de Dezfaces: “Nossa paisagem são muros destruídos, países sem territórios, espetáculos virtuais e edifícios espectrais. Nosso tempo é o da partida, do drama sem herói, da morte que não nos faz mártires mas é única e exclusivamente extinção.” E, novamente, perquire o que concerne à poesia: “Onde habita o humano? Se todo monumento de cultura é também um monumento de barbárie, qual é a cultura que tempera nossa barbárie? Onde ainda resta o fio do destino, ou da catástrofe?” Esta edição, editorada por Ana Caetano, põe em xeque epistêmico o tema poesia & política, poesia & práxis na contramão, e indaga com necessário veneno: “Se a fala babélica da nossa época transformou as fronteiras em paraísos da informação, nossa língua deve ser o inferno da alegoria que diz uma coisa e significa incansavelmente outra. Uma poética alegórica opõe destino/destroço, exposição/enigma, produção/decadência, eficácia/ócio, mercadoria/poesia. Na época do fim da história, nossa única política é a revolta, nossa mínima estética é discórdia, nossa última vingança é o barroco.”

 

O projeto Dezfaces, na mais qualitativa linha de resistência (ao ruim, ao feio pelo feio, ao vão, ao mercantil, ao mesmo...) representa, positivamente, “um insulto à hiperestesia da mentalidade contemporânea” (Ronald Augusto), e mantém um processo de ruptura/reinserção de leituras que exige sua própria permanência no cenário produtivo de uma poesia que, como a liberdade e a revolução, começa em Minas e fecunda o mundo.

 

Dezfaces – 2ª dentição

 

Em 2008, teve início a segunda fase, ou 2ª dentição, segundo Marcelo Dolabela, do projeto Dezfaces, contrariando a história negativista de que quase nenhuma publicação belo-horizontina passou do fatídico número cinco, entre as quais são lembradas Tendências, A Revista, Complemento, Edifício, Cemflores, Alegria Bluesbanda, Aqui Ó, Punhal, Flor da Terra, Bodoque, Fahrenheit 451, Inferno, Orwelhas Negras. Outra rara exceção: Mulheres emergentes, editado por Tânia Diniz.

 

A linha de resistência perpetrada por Dezfaces é reconhecida pelos próprios editores como resultada de 4 fatos: o apoio fundamental da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte – a longa trajetória de mais de três décadas de trabalhos coletivos do conselho editorial – a fundamental contribuição de um variado e rico contingente de colaboradores que acrescentam dados novos ao exercício do fazer poesia  e a explicitação de um discurso teórico-prático sobre a questão da poética.

 

Na 2ª dentição do projeto, também com previsão de dez números, propõem os editores promover mudança com nova direção editorial, o que Dolabela vem chamando de “parada tática”, cujo diferencial será focar enfaticamente o jogo opositivo e complementar entre teoria X prática. E, para isso, já trabalham com três vertentes: pensar o ato poético na atualidade – editar seus próprios textos de invenção – e dialogar com colaboradores mineiros, nacionais e do exterior, envolvendo amplitude de pensares poéticos.

 

Em sua 2ª fase, Dezfaces acrescenta mais vida à invenção contra a mesmice e/ou o desdobramento da fragmentação incisiva na pós-modernidade. Daí, agora, a inclusão da seção Doida de Pedra, de Adriana Versiani, alusiva à Literatura e Loucura, na qual, entrevistado, Ronald Polito dá o tom da especificidade da página, ao propor que ela seja porta-voz da “reinvenção da sensibilidade” capaz de “esclarecer as limitações imaginárias do texto”, publicando ilustrativamente, entre outros, Marcelo Freitas. A seção Oulipo expõe a criação metalingüística pós-paródica: o existente revitalizado, a re-criação latente da linguagem com estranhamento re-criando surpresa de leitura, de que já foram objetos de novos olhares Olavo Bilac e Gilberto Abreu.

 

O imprescindível experimentalismo bem fundamentado de Wagner Moreira condensa muito do pensar poético dezfaciano de segunda geração: “fluxo afeto emergindo como novo tipo de possível a proliferar por todas as margens singularidades complexas – transverberar – a repetição da diferença – o único mesmo daquilo que difere – a textura perigosa da multiplicidade de opções articuladas para o diverso tempo espaço.”

 

Na exigente bateia de novos velhos autores que realmente têm o que não-dizer constam: Dioli, Carlo Barroso, Hércules Toledo, Fábio Boaventura, Marco Aqueiva, Cacaso, Gilberto Mansur, Nicolas Behr, Rafael Reis, Osvaldo André de Melo, José Aloise Bahia, Lázaro Barreto, entre outros.

 

As novas edições enfeixam também o resgate dos estilos de época em Belo Horizonte: o simbolismo por Luís Antonio Paganini, o modernismo, décadas de 20 e 30, por Antonio Sérgio Bueno; décadas de 40 e 50, por Márcio Almeida – todos acompanhados por miniantologias dos autores revistos.

 

A dialógica Oriente/montanha segue em frente com um olhar sempre mais vertical, recapitulando, quase didaticamente, o haicai em nível de conditio de experimentação poética e a apropriação do seu processo ideogrâmico de composição. Rogério Barbosa da Silva, um dos principais mentores teóricos de Dezfaces e da poesia hodierna, prossegue em sua Leitura da Poesia Brasileira em Revista, focando entre outras a Azougue, além de teoricamente acentuar a “tendência do poeta em organizar seu próprio paideuma.”

Adriana Versiani, porquanto entre as melhores autoras de inventiva poético-narrativa do país na pós-modernidade, publica com maior lastro nas edições atuais do projeto, expandindo sua visibilidade cada vez mais reconhecida pelo leitorado do país.

 

Sumo de sempre, fertilizantes da mineiridade ousada, pós-barroca, as leituras, poemas, reflexões de Marcelo Dolabela (que propõe à poesia assumir a quebra de duas funções cristalizadas: as de bater e defender pênalti; de ser intra e não extra; não atuar em função do futuro, mas do presente), Vera Casa Nova, Carlos Augusto Novais, Camilo Lara – amealhando a “estruturação de diversas publicações coletivas que buscam um referencial teórico/prático para a composição de suas linhas editoriais (...) que apontam as possibilidades de diálogo com as tradições poético-literárias e/ou ter a capacidade de utilizar processos/procedimentos poéticos que contribuam e/ou condicionem a formação e a produção estética dos envolvidos”, caso, entre outros, do jornal Inferno; Ana Caetano (traduções e “instruções para performances” de Cage, Yoko Ono/J. Lennon, outros) – e o algo mais que Dezfaces sempre oferece como um projeto work in progress mais criativo e consentâneo à cultura brasileira na atualidade.

 

 

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Márcio Almeida (Oliveira/MG). Professor universitário, poeta, ensaísta e ficcionista. Premiado em vários concursos literários. Autor, entre outros, de “Assassigno”, “Falúdica”, “Lápis impuro”, “Oficina de nomes”, “Mel perverso”, “Orwelhas negras”. Praticante do garimpo de raridades em nível crítico.

E-mail: marcioalmeidas@hotmail.com.

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