ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

IMP - UMA BUSCA PELA LINGUAGEM POÉTICA ABSOLUTA

 

Donny Correia

 

Alguém já disse, ou eu li, que o poeta pode ser tudo, menos ingênuo. O primeiro trabalho, a pouca idade, o tema inexplorado ou inexplorável não podem constituir a desculpa da ingenuidade. Rimar "amor" com "dor", "beijinho" com "carinho", e tantas outras patacoadas que já desfilaram por aí. Este que vos escreve confessa que não conseguiu fugir da ingenuidade no primeiro trabalho publicado em livro por ter buscado algumas referências erradas durante o processo de composição, mas isso também não é desculpa!

Passado este obscuro preâmbulo, gostaria de falar por umas tantas linhas sobre um jovem carioca que mal entrou na casa dos vinte anos e já nos deu um singelo presente enigmático para nos deleitarmos na leitura: Thiago Ponce de Moraes, cuja obra IMP., saiu recentemente pela editora Caetés.

Longe de um mero exercício criativo, IMP. revela um jovem poeta já ciente do que quer. Mostra que Ponce assimilou bem a leitura das vanguardas e daqueles que as influenciaram,  como E.E. Cummings, por exemplo. Eu diria que é impossível se furtar ao estranhamento e ao questionamento "O que ele pretendia?", "O que significa isto ou aquilo?"

Dividido em três partes, Quem desejar, diga, Todo Poema e Aqui vai o que nunca de fato sei, IMP. estabelece um diálogo febril com as questões que permeiam a construção e a desconstrução da língua, no âmbito sintático, semântico, musical e lógico, como se buscasse respostas globais a partir de micro reflexões.

Tomo como amostra um dos poemas que constam da segunda parte do livro.

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Reflita arte
            Ao invés da parte
            Desfaço 

Acaso
            Sussurrar sobriedade
            Palavrital
 

Aqui, podemos observar o aleatório servindo de base para uma reflexão hermeticamente encerrada na escolha das palavras, em que a função apelativa da linguagem urge: reflita arte/ ao invés da parte. Como se arte fosse algo inteiro, que abrange um todo muito maior do que se imagina, e como se o mundo tendesse a insistir na reflexão de um todo que não existe ou não é um todo quando confrontado com a arte. Desfaço// Acaso/ Sussurrar sobriedade/ Palavrital, e Ponce nos sussurra a sobriedade da língua e da arte fechando o poema com uma palavra valise Palavrital, cujas possíveis interpretações já caberiam num outro texto ensaístico: Palavra é vital? Palavra vital (qual?)?, Palavra e tal?

O enigma da língua dá as cartas nesta mesa de apostas. Quando em "Irrigar o Rio" o poeta nos diz que Fingir é sísmico deve estar nos alertando para o fato de que nossas máscaras são tão inevitáveis e incontroláveis quanto um terremoto que abala e aniquila a geografia do mundo, sendo que nossa própria geografia está em xeque por trás de tais máscaras. Filosofia e linguagem dançando nos versos de IMP. (IMPerfeito? IMProvável?, IMPasse? Quem sabe...).

Os poemas no livro de Thiago Ponce de Moraes apresentam-se espalhados de maneira a nos forçar à tarefa de juntar os cacos e fazer algo muito pessoal deles. É como se nos induzisse a abandonarmos a preguiça que nos tenta aos poemas fáceis (uma praga que se prolifera mais e mais nos nossos dias), e nos desse um safanão para nos alertar para as pedras no meio do caminho ou aquelas que João Cabral já descreveu entre os feijões na água do alguidar.

O leitor mais atendo e rigoroso irá perceber alguns signos estranhos à linguagem poética espalhados pelos poemas de Ponce. Note que o poema que fecha o volume, Poesia Ipse, apresenta-se como uma equação matemática que termina numa interrogação para o apocalipse. Talvez o que acontece aqui é algo que já foi estudado em forma de conto pelo argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) em Pierre Menard, autor do Quixote: IMP. seria mais uma busca pela linguagem absoluta e livre de ambigüidades que já buscou Wilkins, Boole e Descartes através de análises combinatórias da língua e dos números? Ponce então seria um jovem poeta-prodígio, inquieto com sua língua, com seu mundo, buscando respostas através de perguntas formuladas por sua versão ultra-moderna e apocalíptica da engenhoca que Ramón Lull projetou no século XIII e que repousou calada até agora, uma vez que a língua absoluta dos poetas e não poetas nunca de fato pronunciou-se? Apocalipse, palavra que encerra o livro seria uma mensagem cifrada em números para nos alertar sobre o processo de decomposição da língua que vemos acontecer dia após dia sem nos darmos conta?

Borges, Lull, Wilkins, Boole, Descartes, Cummings, Haroldo de Campos, modernistas, IMP. é um aglutinado de referencias que dá pano para a manga e nos coloca no picadeiro deste circo chamado Função Poética.

Thiago Ponce de Moraes e seu IMP. revela a segurança de um jovem que parece não ter saciado sua sede pela verdade da palavra e somente disse-se presente num cenário que carece mesmo de novos desafiadores dispostos a rir das obviedades. Disse-se presente e disse-se disposto a continuar com sua devastação poética para o bem de quem ainda procura desafios quando abre um livro para crescer e não para alienar-se. O Apocalipse deste IMP. é só o começo!

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Donny Correia, poeta e tradutor, nasceu em São Paulo, em 1980. Morou em Londres entre 2000 e 2003, onde editou uma coluna de entrevistas no jornal Brazilian News. Publicou o livro de poemas O eco do espelho (2005). Atualmente, é coordenador cultural da Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.

 

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[REVISTA ZUNÁI- ANO III - Edição XII - MAIO 2007 ]