ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

A LAVOURA DO TEMPO:
A Filosofia das Luzes Ontológicas do Distante Universo Poético Serguilhiano e a Renovação Estética do Futuro da Linguagem Gnósica do Futuro Contínuo
Ou o Conhecimento e a Experiência em KOA'E.

 

Para Cláudia Carvalho Machado

                                                                                                                   e   Aurelino Costa

 

 

                                                    O desconhecido é quase a nossa única tradição

                                                                                    — José Lezama Lima, Apartir de la poesia

 

 

Amosse Mucavele

 

Se tomarmos a “arte’’ segundo Jürgen Habermas como poder de reconciliação que aponta para o futuro.

Podemos dizer desde logo que estamos perante um vulcão de vozes a romperem paralelamente na sinfónia harmónica da linguagem “poética” e do “ objecto estético” universal na óptica de Mikel Dufrenne.

Em KOA’E a poesia assume-se desde o inicio ou desde o fim pois é dificil descirnir onde ela começa e onde termina, mas tem algo que assumo com toda propriedade, que ela é eterna, nasce cresce e chega até aos nossos olhos como “o objecto estético no estado de um possivel aguardando a sua epifania”( op.cit. por  Carlos Nogueira da Silva-O objecto estético como mundo, la phénomenologie de l’experience esthétique l,de Mikel Dufrenne,in Phainomenon, Revista de fenomenologia, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, Edicões colibri 2001)

 há uma notavél pluralidade de “contextos” deste novo “texto” onde multiplicam-se vivências com o pensamento “pós-moderno” e o “ conflito com o tempo” “pós-utopico”.

Claudio Daniel ( Protocolos Críticos-Itaú Cultural 2009) no ensaio “Geração 90: uma pluralidade de poéticas possiveis”ressalta que “ a poesia (...) manifesta essa tensão na linguagem, construção estética que dialoga com história, pessoal e colectiva, ao mesmo tempo que afirma a sua própria identidade com artefacto artístico”.

 

Segundo Ernesto Melo e Castro em resposta a eterna, conflituosa e conflituante questão- O que é poesia?  feita na Casa das Rosas do Centro Cultural de São Paulo, pelo poeta Edson Cruz:

 

- A poesia corporiza em textos contraditórios ondas energéticas, as que nos atacam e destroem mas também  as construtivas que nós (só nós os poetas) sabemos e podemos transformar, enviando para destinatários universais que as saberão, ou não, descodificar e entender...lá onde quer que se encontre e como quer que entendam  aquilo que esta escrito...

Caracteristica consideravelmente patente no poema a seguir:

 

A fantasmagoria dos grânulos fluviais inflama AS MANGAS

BIFURCADAS dos salmonetes antropológicos

                             como as asparas das povoações a desembaraçarem

os circuitos      exaustos  das     estátuas  dos   bandos-insectos-

alienigenas

                         sobre os anzóis  dos equilíbrios  das portarias

mumificadas  que refractam   os veios extensos  das putrescências

das solenidades (...) pag. 374

 

creio que a mesma fantasmagoria”que Luís Serguilha se refere é a mesma que “inflama” sobre a “antropologia das povoações” que habitaram a cidade de KOA’E degradada e levada abaixo por um vulcão, há aqui uma “arquitectura hieróglifica” que tenta (re)construir ou ressuscitar  a cidade no meio do escombros da “consciência do tempo” que a cada traço apresenta fragmentos

(...) na musica poderosa dos utensílios-plasmas-dos-lances-fluorescentes

                      como as venialidades das esporas terrestres

                                      sobre os sigilos das tranqueias arbóreas    pag.374 e 375

                                     

A música tocada em KOA’E escuta-se no silêncio dos ouvidos da distância, onde cria um espaço de concordância ( Einverständnis- em alemão) entre a orquestra, o fisico,o matematico,o escritor,o cineasta, e outros, assim sendo “produz-se uma relação de reciprocidade consciente das pessoas (dos leitores-grifo meu) e, ao mesmo tempo, uma relação unitária das mesmas( dos mesmos-grifo meu) a um mundo circundante comum”disse Edmund Husserl. nota-se a transposição (Übersetzen- em alemão) de sonoridades e ritmos para pinturas com fotos e nomes dos pensadores modernos, traz consigo a “poesia como fim último da humanidade” onde subjaz o retorno da nova “arqueologia do ser e estar” camuflada por um discurso renovado estéticamente pela consciência poético-pensante-totalizante que o passado almeja tê-lo no seu reportório, o presente estranha a gigantesca imagem, a forma como as mãos  de Serguilha (pro)criam o mundo e o futuro será que esta preparado para ver estes “reflexos coloridos”?, para assistir a celebração do “fim da arte” ?  o matrimónio quântico, sentimental, ingênuo entre a teologia, filosofia, artes, música,matemática,quimica e fisica?

Em suma existem  versos, conversas, encontros do pensamento universal em KOA’E tais como estes:

(...) a perspectiva-dos-fragmentos de   Godard e as abreviaturas-das-armações-dos-nómadas de Kusturica (...) pag.25

(...) a progressão paciente do ar escoa-se nos despojos da ferida dos teoremas ( de Pasolini e Pitágoras) (...) pag. 35

 (...) as celas dos exílios-de BRECHT-Pavese expandem a direcção profundissima do húmus-gestual(...) pag.73

Importa agora compreender que em KOA’E  estes encontros aqui me referi e o “texto” poema  acima lido mostra de forma clara e objectiva a ideia de “flecha de sentido” na feliz expressão de Pierre-Jean Labarriére “no que esta imagem denota de força e tensão, apontando e devotando o próprio  texto ao tempo”(Isabel Matos Dias, Tradução: palimpsestos e metamorfoses in Heidegger, Linguagem e Tradução, Colóquio Internacional, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2002) 

que logo no primeiro olhar  ganha este duplo sentido “a produtividade e a intertextualidade” disse Julia Kristeva.dai que “o texto se faz,se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo”(Roland Barthes, o prazer de texto) e torna-se um espaço polivalente e polifónico ( Isabel Matos Dias, op.cit)  onde os polos ( a ciência, a teologia, a filosofia, arte,a literatura ) confluem na tonalidade desta “iluminação profana”( W. Benjamin) e na totalidade desta Einbildungskraft( força de formação em imaginação) tal como pedia Schelling.

A leitura e a visão do mundo em KOA’E transforma toda cadeia de conceitos sobre o estatuto da poesia e do poeta em um mecanismo de conhecimento metafisico ( no contexto Kantiano) e da experiência ontológica ( na visão do Aristoteles) do “objecto estético”.

Afinal qual é o papel do poeta na óptica de Serguilha?

(...) O poeta manifesta a sua origem na cegueira, no desassossego da luz que é projectada na metamorfose polimórfica-vibratória regenerando os ecrâs  da reciprocidade do animal-poema com o movimento da imersão fulgurante como a gênese da recomposição do abismo a centralizar-se na profundidade, na exteriorização da descoberta absoluta do mundo (...) pag 122

 

(...) A visão-outra do poeta emancipa-se no silêncio, liberta-se no conhecimento caótico, no anticonvencionalismo porque é selvagem, não aceita interpretações ou qualquer tipo de determinações sociais, politicas, religiosas porque a efervescência da sua linfa-linguagem é única e sagrada ao elevar/aprofundar a regeneração/purifição prístina do mundo, sacralizando-a como um mosaico-corpo-não-efêmero, formador de vertiginosos rizomas, de disseminações vulcânicas. (...) pag. 123

 

Assim em KOA’E  “o poeta é selvagem” e a sua poesia caminha no silêncio da distante (in)consciência poética do tempo e da (in)temporalidade profética do mundo, ele usa uma linguagem ciclica- magnética-digladiadora-destruitiva-construitiva-poderosa-rizómatica, sua “única e sagrada” “atitude para a mensagem enquanto tal”( Roman Jacobson, Linguística e Poética)

E o que é  poesia para Serguilha?

 (...) A poesia reconstitui-se na língua anterior ao conhecimento e esculpe as suas sismologias-tapeçarias no mundo-outro como uma partilha do desassossego, uma sanguinidade do poema-poeta-poesia-liberdade na exploração mutual do enigma, na germinalidade do deserto (...) pag.109

(...) A poesia fortalece a energia transmutadora, a expressão dos ecossistemas da não evidência, da eclipse, a multiplicabilidade das prespectivas que interrogam a busca da unidade perdida.(...) pag. 116

 

Se para K. Marx “a finalidade dos trabalhadores é de produzir para viver” e qual é/será a finalidade dos poetas?

Para  Luis Serguilha a finalidade dos poetas é de procurar “ a área primordial da metamorfose para se unir ao cântico transmissor  do livro natureza”.pag 109

 

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Amosse Mucavele nasceu em 1987 em Maputo onde vive, sonha em ser poeta, ensaísta, antologiador, tradutor, cronista, Director do projecto de divulgação Literária Esculpindo a Palvra com a Língua , é chefe da redacção da Revista Literatas-Revista de Literatura moçambicana e lusófona, membro do Conselho Editorial da Revista Mallarmagens-Brasil, membro da academia de Letras de Teófilo Otoni-Minas Gerais, membro da International Writer association (IWA-Ohio-USA) possui textos publicados em diversos jornais do mundo Lusófono, representou Moçambique na 1 Raias Poéticas- Vila Nova de Famalicão-Portugal.

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