ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

TRÊS CONTOS DE WILSON BUENO

 

Vaga-lumes

Chegam pelas noites de verão - miríades deles num revôo de faíscas contra o azul profundo. Se um se ausenta, outro se assanha, abaixo, acima, de lado e a celacanto - assim tão sucessivamente que parece chovem sobre o quintal, entre os arbustos, os cactos e os eucaliptos.

Rever em vós o nítido contorno, a dura escorregadia couraça com que o corpo trincas (faíscas?) ao meio, a movimentos sincopados - o modo como escapas de meus dedos ávidos, e o sombrio gozo no coração do sinistro.

Desejar-vos a luminosa cola túrgida feito um veneno de iridescente apelo, e aprender à margem dos meus escombros de mim o quanto falhos fomos; e velhos em nossas luzes. Luzes?

Mais vale a alma sucinta do besouro para sempre condenado à uma morte de bruços, e cheia de pernas.

Perdoa o que fui de vosso látego e anátema; perdoa.

Então, amor, é que acendes, de inopino, toda uma floresta no escuro

 


Formigas

Uma formiga de asas o que te supus, nupcial, bailarina, o império do vôo em véu por lâmpadas e candelabros - não, jamais este rastro de mínimas partículas provendo a casa, a cozinha, diligente suprindo a despensa de nossa casa.

Um oito de pernas és o que és andando o ninho, salivando abundante as crias com o insensato dom de reproduzir, aos milhares, aos milhões, a replicante sina de sua microscópica grafia.

Duro ferrão em riste a ríspida fagulha com que de noite me mordes, dilaceras?, o lábio, o braço, a exausta virilha, e passa-me ao sangue o veneno mortal de sua minúscula mandíbula.

Com raiva de nosso amor com raiva, da varanda assisto a você no jardim levando ao ombro as grandes folhas.

Te xingo, na cara te xingo - Tanajura! Tanajura!

 


Bicos-de-lacre

Mínimos, ciscos, sínteses, a parelha é quase um par de besouros voejando o ninho que deram de construir na velha acácia, esta que entrando janela adentro, vem, de longo tempo, assistindo-me a viver e a morrer todos os dias.

O ninho, ao modo de uma comprida meia, guarda ao fundo dois ovinhos azuis e se dependura do galho - embora os ventos e as tempestades, o sol do meio-dia e a orquestração de luz mal se levante do muro a manhã coalhada de passarinho, se dependura e balança - sublime trançado.

Punhal e agulha golpeio-te, num só arremesso de bico e dardo, o fundo do fundo do coração.

 

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Wilson Bueno nasceu em Jaguapitã (PR), em 1949. Escritor e jornalista, criou e dirigiu, por oito anos, o jornal literário Nicolau. Publicou vários volumes de contos, novelas e poemas em prosa: Bolero's Bar (1986), Manual de Zoofilia (1991), Ojos de Agua (Argentina, 1991), Mar Paraguayo (1992), Cristal (1995), Jardim Zoológico (1999), Meu Tio Roseno, a Cavalo (2000) e o romance Amar-te a ti nem sei se com carícias (2004), além de um volume de poemas breves, o Pequeno Tratado de Brinquedos (1996).

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Ilustrações: Ricardo Humberto (Curitiba-PR).

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Leia também excertos do romance Amar-te a ti nem sei se com carícias, de Wilson Bueno, e um ensaio sobre o autor escrito por Claudio Daniel.

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