ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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DUAS GAROTAS, UM MAÇO DE LUCK STRIKES
E UM ETERNO SORRISO NO ROSTO

 

 

Paulo F.

 

Existem certas convenções sociais que não se pode ignorar, certos limites que não devem ser ultrapassados. Estou falando de sexo a três. Essa modalidade que fica logo ali, além da barreira da convenção, da fantasia e da possibilidade. Porque, mesmo que todos admitíssemos que tal ação nada mais é do que uma aberração, não conseguiríamos esconder nossa profunda decepção por isso. Não sei em que tábua foi escrito que é proibido fazer sexo com mais de uma pessoa e com menos de quatro ao mesmo tempo, mas, como toda boa convenção, não se explica nem se vê lógica. Certamente que alguns biólogos, sociólogos ou motoristas de ônibus se apoiem nas leis do mundo animal, onde nunca se teve notícias ou registros de menáges a trois bestiais como um leão com duas leoas, ou duas elefantas com um elefante etc e tal, já que cada gênero possui apenas um orgão sexual e portanto, o ato sexual só seria possível entre dois seres de sexos diferentes.

 

Com exceção da raça humana, que dá um jeitinho para tudo. Mas isso não vem ao caso.

 

As mulheres não ligam para isso, somente umas 0,3 a cada 10 mulheres sonham em transar com dois homens, ou com um homem e outra mulher, enquanto 10 a cada 10 caras – com exceção dos mentirosos, luteranos e os mentalmente incapazes – trazem entre seus desejos secretos mais constantes, uma noite de amor e pura luxúria com duas belas mulheres.

 

E eu não sou diferente. Como todos os homens da minha idade – com exceção dos mentirosos, luteranos e os mentalmente incapazes – cresci e me criei vendo filmes pornôs. E no universo mágico retratado nessas fitas magnéticas, o ménage à tróis é tão comum quanto as frieiras nos dedos dos pés. Claro que, por acharmos tal prática tão excitante, tão interessante, e até mesmo impossível; ela passa a ser um tipo de objetivo escondido, do tipo que não é bem uma obsessão, mas que secretamente torcemos para um dia acontecer.

 

E o modo como alcancei esse objetivo foge da minha compreensão até hoje.

 

Tudo começou com a chegada de Amanda, de Curitiba. Recém saída de um casamento fracassado que durou quatro longos e frios anos, ela estava louca para retornar para sua cidade natal e retomar sua vida da onde parou e, segundo ela, fazer a curva para o lado oposto.

 

Eu esperava sua chegada com um misto de euforia e preocupação. Nossas últimas conversas ao telefone haviam sido tão íntimas e úmidas que eu tinha vergonha até de passar perto de um funcionário da telefônica. Nossa situação era bem parecida, e talvez por isso a cumplicidade tenha surgido tão naturalmente. Há dois anos sem namorada e recém instalado em uma kitinete no centro da cidade, eu havia me tornado um misantropo cujo único prazer era baixar vídeos de sexo da internet, fumar lucky strikes e escrever contos bizarros e peças idiotas sobre sujeitos que baixam vídeos de sexo da internet, fumam lucky strikes e vivem misantropicamente em habitações baratas do centro de São Paulo.

 

E a última experiência sexual que havia tido nos últimos 24 meses foi um oral bêbado e desajeitado que ganhei de uma aspirante a atriz que, me confundindo com um famoso diretor teatral em uma festa, me trancou no banheiro e acabou dormindo sobre meu colo antes de finalizar a função. Graças a Deus existem os polegares opositores.

 

A possibilidade de Amanda chegar e mergulhar comigo em uma temporada de sexo selvagem pós depressão, intra-carência e pré normalidade era o que me deixava eufórico. E a parte da preocupação vinha do fato de Amanda ter confessado que agora estava mais interessada em “aventuras” com pessoas do mesmo sexo.

 

Ela havia chegado aos 31 e, como toda mulher dessa idade, já não reserva muitas ilusões sobre a vida e os homens e sabe que é hora de aproveitar ao máximo antes de se agarrar a qualquer relação que consiga manter por mais de três meses, ou antes que a gravidade entre em ação. Se Balzac estivesse vivo atualmente, ele escreveria algo como: Mulher de Trinta Anos – Ou tudo ou nada. Mas ao invés disso, temos Sex and the City... uma lástima. Enfim, sou a favor e apoio qualquer análise mais profunda sobre esse assunto.

 

Amanda chegou numa quarta-feira, carregada de bagagens, com uns bons 4 ou 5 quilos a mais, uma vodca, um pacote com seis cervejas e totalmente enlouquecida. Sua boca parecia uma metralhadora de frases sem sentido, gritinhos histéricos e tiradas que ela achava geniais. Fora que sua libido parecia ter sido extraviada na viagem.

 

Após mamar 1/3 da garrafa de vodca e dar fim em 2 latas de cerveja, ela se enfiou por quarenta minutos embaixo do chuveiro. Eram quatro da tarde, mas eu tinha sensação de que a noite já tinha começado.

 

Saí para comprar mais bebidas e alguma coisa para comer, o que seria de extrema importância se eu não quisesse deixar evidente meus dotes de mal bebedor e encharcar sua bagagem de vomito.

 

Quando voltei, abri a porta e vi Amanda deitada no sofá apenas de calcinha e camiseta regata... branca... úmida, seus olhos fixos na TV, equilibrando um cigarro em uma das mão e segurando a lata de cerveja com a outra. O banho parecia tê-la acalmado um pouco. Ela olhou para mim e sorriu.

 

Me senti um Henry Miller com as compras carregadas de bebidas alcóolicas e refeições ricas em gorduras e calorias chegando em casa e encontrando uma garota terrivelmente sexy e sem o menor pudor fumando e bebendo em seu sofá.

 

Com a desculpa de fazer um sanduíche, fui para a cozinha e prolonguei o preparo do lanche como se estivesse assando um peru de Natal. Meu trato com o sexo oposto estava há muito enferrujado e meu receio era trocar os pés pelas mãos e estragar tudo. Depois de uns quinze minutos, sem muito mais o que enrolar, Amanda apareceu na porta da cozinha, com o olhar embargado de sono e intimou:

 

– Você não vai vir ficar comigo?

 

Peguei os pratos com os dois sanduíches, sorri encabulado e fui para a sala ao seu lado.

 

Sentei no sofá, coloquei os pratos na mesinha de centro e antes que pudesse me dar conta, sua língua estava na minha garganta. E cerca de dez segundos depois estávamos na cama, pelados e fazendo coisas que deixariam Cèline clamando pela volta do anti-cristo para acabar com tudo. Tudo!

 

Eu, em compensação, não poderia querer mais da vida.

 

Três dias depois e ela continuava me usando como seu sex personal toy. Eu sabia que só o que Amanda queria era apagar o borrão que havia sido aquele casamento. E não havia nada melhor do que fazer isso com um amigo querido com quem já não havia mais tanta intimidade e a convivência. A inteligência emocional de Camila me deixou impressionado.

 

Eu me sentia cansado, um pouco resfriado e extremamente faminto, mas Amanda ainda estava com pique total. No meio da quinta-feira ela havia sacado um saquinho com alguns gramas orgulhosamente roubados de seu ex-marido – um publicitário workaholic que se gabava de trabalhar entre 48 e 72 horas seguidas, e que segundo Amanda era brocha.

 

Apesar da diversão, todas aquelas horas de orgia estavam me deixando um pouco de saco cheio. Enquanto Amanda falava, cantava, cheirava, bebia e chupava sem parar, eu olhava no relógio esperando a hora em que ela daria um tempo em tudo aquilo e me deixaria assistir alguns episódios de Friends na minha mais nobre e solitária companhia.

 

Eram quase 22 horas quando ela sentou no sofá e, após alguns segundos pensativa, se tocou que:

 

- era sexta-feira à noite;

 

- era sexta-feira à noite em São Paulo;

 

- era sexta-feira à noite em São Paulo num bairro onde há um club em cada esquina.

 

Que Deus me ajude.

 

A música não era ruim, só era nova e moderninha demais para meu gosto. E enquanto Amanda se esbaldava na pista de dança, segurando uma garrafinha de heinecken e balançando a cabeça de olhos fechados, eu tentava me recompor com um copo de coca-cola com limão e gelo, e foi quando o improvável aconteceu. Eu me apaixonei.

 

Não por ela, mas por outra garota, que dançava há alguns metros dela. Era linda, tinha cabelos na altura dos ombros, com um corte extremamente estiloso e elegante, tinha o rosto redondo, nariz empinhadinho e um sorriso devastador, os olhos fechados enquanto ela fazia uma dança no mínimo curiosa. Pelo sorriso, e pela dança, dava para notar que ela não tinha mais do que dezenove anos. O que fez com que eu me apaixonasse mais ainda.

 

De repente, por uma rápida fração de segundo, nossos olhares se encontram. Seu olhos grandes, redondos, emoldurados por uma sombra preta forte quase me fizeram cuspir a coca-cola com gelo e limão. Percebendo que eu a encarava, ela virou de costas e balançou a cabeça negativamente.

 

Quantos amores não morreram assim, dentro de um copo de cocagelimão, em um balcão qualquer.

 

– Gatinha hein? – Amanda estava parada do meu lado, olhando para a garota. Você quer comer ela?

 

– Querer eu quero. Mas neste caso, querer é diametralmente oposto a poder.

 

– Eu comeria ela, fácil.

 

Amanda não estava brincando, ela já estava praticamente comendo a menina com os olhos.

 

– Vai lá. Esse tipo de menina eu já conheço, vai adorar se enfiar no banheiro com você – eu disse com o melhor tom de autocomiseração que o volume da música me deixou transmitir.

Amanda me olhou, enfiou a língua na minha garganta - ela era muito ágil nessa manobra, quando eu me dava conta já havia alguma coisa cutucando minha nuca pela parte de dentro – e sussurrou no meu ouvido:

 

– Vou te dar esse presente. Fica aqui.

 

Com uma destreza inacreditável, Amanda atravessou a pista de dança, subiu no palco, se esfregou um pouco na garota e antes que eu pudesse dizer santafacilidadebatman, lá estava a língua dela na garganta da garota. Amanda a beijava com vontade enquanto suas mãos acariciavam aquela bundinha pequena e arrebitada esmagada dentro da calça jeans. E enquanto a beijava, olhava para mim.

 

Excitante é uma definição pobre para aquela cena, mas dá uma boa idéia.

 

Lábios desgrudados, a menina parecia mais desnorteada do que eu. Amanda riu e puxando-a pelo braço, trouxe até o balcão, onde eu me escorava, com medo de cair.

 

– Essa é a minha mais nova amiga, Priscila – Amanda apresentou, enquanto se aproximava do meu ouvido – eu vou te beijar, e assim que eu te largar você agarra ela também. Aproveita o momento de dúvida.

 

E voilá, a língua de Amanda em minha garganta. E assim que ela me soltou, segui seus conselhos e agarrei Priscila, que no começo relutou um pouco, mas depois de sentir que Amanda beijava seu pescoço e atrás da sua orelha, acabou cedendo.

 

Se Deus me fulminasse naquele instante, eu iria para o inferno dançando a hula.

 

Era a tal da atração por tabela. Na verdade, Priscila não sentia a menor atração por mim. E Amanda não sentia a menor atração por Priscila. Porém, como eu sentia atração por Priscila, me sentia inseguro. O que não acontecia com Amanda, vasta conhecedora de meu esôfago. Como Amanda percebeu minha atração por Priscila, também acabou ficando atraída, mas sem a insegurança, já que não planejava nada mais do que alguns beijos e umas horas de sexo. Ao contrário de mim, que depois de seis segundos já tinha dado nome ao segundo filho... Continuando. Sem a insegurança, Amanda abordou Priscila, que certamente gostou do seu papo e da sua beleza e retribuiu a atração. E como Priscila desenvolveu uma atração por Amanda, e Amanda mostrou que seu interesse também era em mim, Priscila acabou desenvolvendo por tabela uma atração por mim, objeto da atração de Amanda, fechando assim um círculo complicado porém muito coerente que fez com que eu saísse do club abraçado com as duas lindas garotas e deixasse o barman tentando entender os efeitos afrodisíacos de uma simples coca-cola com gelo e limão.

Trocando em miúdos, acabamos todos, Amanda, Priscila e eu, numa farra a três no colchão da minha kitinete. E a coisa se deu tão rápido e tão desastrada que não lembro de nada. Só lembro de flash’s em que, perante momentos de profunda indecisão, entendi porque o leão, o elefante e maioria dos animais preferem manter as coisas num nível mais simples. Lembro também que tanto Amanda quanto Priscila eram delicadas, manhosas, carinhosas e ruidosas, o que me rendeu uma multa do condomínio nos mês seguinte, que eu paguei dançando a hula. Deus é misterioso...

 

Acordei abraçado com Priscila, que dormia pesadamente com o nariz enfiado em meu pescoço.

 

Amanda não estava na cama. Levantei um pouco a cabeça e a encontrei apoiada na janela, fumando e totalmente nua.

 

Se existe um paraíso, ele certamente é desse jeito.

 

Amanda e Priscila, que nesse ponto já haviam se tornado melhores amigas desde crianças, resolveram que queriam prolongar a brincadeira por todo o final de semana, para a minha mais sincera e grata alegria. Depois de enganar a mãe de Priscila, se fazendo passar por uma amiga, Amanda lhe emprestou uma tolha, algumas roupas e as duas se meteram embaixo do chuveiro por umas boas duas horas enquanto eu dormia com um sorriso no rosto.

 

Praticamente não saímos de casa nas 36 horas seguintes. Dormimos, comemos, bebemos, fumamos lucky strikes, transamos – Priscila e eu, pois Amanda já dava por encerrada sua participação, tanto no triângulo quanto no lesbian lifestyle, mas gostava de ficar assistindo – vimos vários filmes em VHS, e no começo da tarde de domingo, Amanda recebeu uma ligação e se trancou no banheiro por várias horas.

 

Antes de anoitecer, Priscila entrou rapidamente no banheiro para se despedir e foi embora. E já passava das oito quando Amanda surgiu, com os olhos vermelhos, descabelada e com o rosto cansado.

 

Ela se sentou do meu lado, sorriu e perguntou:

 

– Tá feliz?

 

– Mais do que o Fun Bobby...

 

– Que bom, então também estou. Você se importa se eu for dormir? Estou só o pó.

 

– Dorme bem.

 

Me deu um beijo no rosto, se jogou no colchão e dormiu profundamente, enquanto eu acendia o último lucky strike da caixa e apertava o play em Jules e Jim.

 

Quando acordei, encontrei apenas um bilhete de Amanda que, envergonhada, resolvera ir embora sem se despedir. Depois de uma tarde no banheiro conversando com seu ex-marido, havia decidido voltar para Curitiba e dar mais uma chance ao seu casamento. Ela dizia no bilhete que muito dessa decisão se devia ao “feriado prolongado” que ela tivera aqui, e que tudo o que aconteceu a fez se sentir mais viva, etc e tal... crises dos trinta anos.

 

Priscila e eu saímos por mais uns dois ou três meses. Bem, saímos não... deitamos. Porque não fizemos nada mais do que transar nesse período. E num dos últimos estertores desse namoro com ejaculação precoce, Priscila tentou convencer uma de suas amigas, uma oriental maravilhosa que parecia saída de um filme do Wong Kar Wai a dividir a cama com a gente. Mas a garota declinou do convite depois de me conhecer, o que desencadeou a reação inversa da atração por tabela e acabei nunca mais vendo Priscila. Dizem que ela acabou escolhendo o lado de lá e está namorando há dois anos com outra menina. Sorte dela, mostra que tem bom gosto.

 

E hoje, quatro anos depois, ainda recebemos emails esporádicos de Amanda, dizendo que o casamento vai mal, que ela quer abandonar tudo e voltar para cá, para uma última aventura. Eu costumo ignorar esse assunto e pensar, que, por mais generoso que Deus tenha sido, ele nunca vai mandar um raio cair pela segunda vez no mesmo lugar.

 

E sinceramente, eu nem sei se quero.

 

06/01/2009

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Paulo F. nasceu em São Paulo em 1980, é escritor, dramaturgo e diretor de teatro. Formado em Roteiro e Produção Editorial pela Anhembi-Morumbi. É um dos idealizadores da revista MURO - www.revistamuro.cjb.net. Lançou, em 2005, o livro de contos Sobre o Infinitivo. Mantém no ar o blog pediadeus.blogspot.com.

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