ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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PROSA DE O GRANDE CINEASTA
(4 fragmentos)

 

Francisco dos Santos

 

O EX-RELIGIOSO E A ALMA PERENAL

 

“a forma ideal, estátua magistral...”, trauteia o homem-do-cigarro (...) Com dinheiro a pauta passou a frequentar a alta roda. Acontece que às vezes entorna uns drinks a mais... Por sorte, hoje, o ex-religioso está na vernissage e pode cuidar da pauta   antes que ela cause algum arranhão na sua nova imagem. Com habilidade aplica-lhe um “mastref” e arrasta a loura para uma salinha discreta nos fundos. Peça por peça  vai tirando a roupa da loura, a esgrimir a língua pelo seu corpo todo (...) Depois sobe-lhe em cima com força. A pauta geme e balbucia: “Quem é?”... “Quem é?”... E o ex-religioso responde com voz entrecortada... “É um amigo”... “É um amigo”...

 

 

 

O QUE ACONTECEU QUANDO O CHE ESTEVE NO BRASIL

 

O sr. x está otimista com o novo negócio, o homem-do-cigarro também, mas, se bebe um pouco além da conta, começa a ficar ambicioso e fere as pessoas com sua língua bipartida: “Nesse país as coisas só dão certo até sair um gol... Se não sair gol, tudo bem... É só sair gol pára!  E o que é pior, ultimamente até o replay do gol pára tudo (...) Quando o Che esteve por aqui foi assim... tossia muito o grande guerrilheiro, tinha pulmão infiltrado e a umidade da longa marcha agravara o seu estado, mas com voz entre cortante e dramática (só possível em español) abre a carcaça do Estado e vai mostrando aos brasileños (...) O convívio com Fidel deu ao argentino mais fluência e, a despeito da tosse, mais fôlego à oratória. O palestrante foi modulando a voz, soltando uma e outra palavra de ordem, elevando os ânimos (...) Não demorou muito e estavam todos de armas em punho, prontos para tomar o poder. (O sonho de Bolívar ia ganhando contornos verdeamarelo...) mas, então, ouve-se no radinho de pilha do companheiro ao fundo da sala um Gooooooooooooooooool! Os brasileños se esquecem do Che, da revolução, de tudo! Abandonam as armas e saem às ruas para comemorar (...) O Che fica sozinho, tossindo, tossindo (...) E, assim, a Grande Revolução que mudaria o destino das américas fracassou por aqui”

 

 

O HOMEM-DO-CIGARRO

 

“idiotas, ficam jogando pedra naquele rapaz, como se um filme sobre Chatô pudesse ser diferente!” A notícia que o Banco Central elevou os juros, embora as projeções de crescimento do país sejam excelentes, piorou o seu humor... “Vão queimar a largada de novo!”, diz. Depois lembra do golpe do barco (o dos 500 anos, aquele que afundou, aquele que golpistas de todo o país vão admirar os mastros que ainda são visíveis). Fala que se os americanos invadissem esse país (com armas, como fizeram com outros), provavelmente não haveria resistência (e se houvesse alguma seria organizada pelos traficantes...) As pessoas acham imaginativa a maneira do homem-do-cigarro se expressar, mas se afastam dele. Aborrecido, resolve subir o morro (...) “Melhor maneirar, querido, o corpo humano não aguenta o que anda fazendo”, fala a pauta. “Problema do corpo humano, pauta... Problema do corpo humano” (...)

 

 

 

OS CARAS COM AS MÃOS NOS BOLSOS

 

No salão de beleza, a pauta espera sua vez...

“Sabe onde ele anda? Nunca mais apareceu por aqui.” (Alguém pergunta do “Laranja”). “Parece que está preso, assinou uns papéis coisa assim”. Responde a pauta enquanto folheia um catálogo de cortes. Entre uma página e outra a conversa se entabula (...) Tempo depois da conversa terminada o interlocutor não consegue levantar-se para ir embora. Por fim, por baixo da revista que, convenientemente, segurava, mete a mão no bolso e estrangula aquela ereção (...) No dia seguinte, lá pelas tantas, a pauta começa por em prática a primeira parte do plano. Enquanto anda pela rua é seguida por quatro caras, todos com as mãos nos bolsos, músculos dos braços tensos, saltados. No sentido contrário passa pela pauta uma poodle seguida por quatro canzarrões. De um elevado em construção os operários fazem a “OLA” em homenagem à loura. Assobios. Elogios. Gritos. Vaia pros caras que continuam seguindo a pauta gostosa com as mãos nos bolsos, músculos dos braços tensos, saltados.

 

 



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Francisco dos Santos nasceu em 1967 no Mato Grosso do Sul. Poeta, prosador e artista plástico,publicou, entre outros títulos, Diálogo com Goya (2002) e a brevíssima de poesia A imagem sem centro (2009).

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